sábado, 7 de setembro de 2013

MÓDULO 5 - A INTROJEÇÃO DO RACISMO E A NÃO-IDENTIDADE ÉTNICA E RACIAL

Módulo 5 - A INTROJEÇÃO DO RACISMO e a não-identidade étnica e racial do negro brasileiro 
 
Um autor que explicou muito bem como se dá esse processo de introjeção do racismo foi Helio Santos (2001). Em seu livro A Busca de um Caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso, ele defende a ideia de que o racismo no Brasil ocorre segundo uma metáfora da “centopeia de duas cabeças”: pensando na pequena lacraia, que ao invés de cabeça de uma lado, e rabo de outro, teria então duas cabeças, sendo uma a do branco, e outra a do negro.  Vamos explicar melhor do que se trata. Acompanhe o raciocínio nas palavras do próprio autor (Santos, 2001, pp. 148-149):
A centopeia é um bicho conhecido também pelo nome de lacraia e costuma ser inofensivo. A inovação que a nossa teoria traz à anatomia desse bichinho é incluir outra cabeça, onde deveria estar seu rabo. Com duas cabeças, imaginamos que ela possa mover-se em sentidos opostos. Usamos essa alegoria para poder explicar o que se dá no campo racial em nosso país. Em um sentido, a sociedade, fortalecida pelos meios de comunicação, destila seu racismo e constrói os seus preconceitos contra os negros e seus valores. Os valores do negro são a sua cultura. Em um sentido contrário, temos o próprio negro-descendente vindo e assumindo (em sua cabeça), como se fosse verdade, aquelas ideias armadas contra si.
Se lembrarmos aquilo que já colocamos nos módulos anteriores, de que os negros correspondem a mais de 50% da população brasileira atualmente, não é difícil compreendermos que, como integrante da sociedade civil, mesmo não fazendo parte da sociedade dominante, os negro-descendentes também colaboram na visão corrente em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que passam a introjetar contra si aspectos desfavoráveis. Hélio Santos tem certeza em afirmar que se trata de uma “monumental contradição” (2001, p. 149) e, por isso, um processo não tão simples de ser compreendido, como você já deve ter percebido! Mas, por favor, prossiga com o raciocínio de nosso autor:
Em primeiro lugar, a sociedade que discrimina a população de ascendência negra se supõe branco-europeia. Contudo, não o é. Em segundo lugar, essa sociedade discriminadora é marcadamente negra em termos culturais. Vive, consome e tem internalizados em sua cultura valores negros. Estranho, não? Flagramos agora uma ironia peculiar da terra-brasilis: aqui, os brancos (ou supostos), quando agridem os negros, ofendem a si mesmos. Isso porque eles também são meio negros/ meio brancos, curtindo e vivenciando a cultura negra. (Ibidem)
Baseados nessas concepções, podemos dizer que somos historicamente mestiços. Para compreender essa ideia é muito simples: onde poderíamos verdadeiramente encontrar um “branco-europeu-puro”? Se a própria história de conquistas e revoluções ocorridas nos últimos milênios na Europa é fruto de intensa miscigenação (talvez possamos até dizer que o povo mais mestiço da terra seja o próprio europeu!). Dá para acreditar que essa verdade histórica da miscigenação europeia foi apagada de maneira tão eficaz e definitiva? E mais grave ainda, que nós (em especial, os brasileiros-brancos) tenhamos uma percepção absolutamente imaginária (e ilusória!) de que somos de alguma forma descendentes de uma “linhagem europeia pura”?
Desculpe-nos se exageramos nas exclamações e interrogações. Mas trata-se de um engano tão cristalizado e enraizado em nossa “cultura de povo colonizado”, que já tomou ares de verdade. É preciso atentar, de uma vez por todas, para o fato de que não podemos separar os seres humanos em brancos, negros, amarelos, etc. Historicamente (e geneticamente) somos o resultado da infinita mistura de uma única raça, a raça humana! Portanto, como já afirmamos outras vezes ao longo deste livro, as diferenças são construídas social e politicamente, ou seja, são fruto do processo identitário. Deu para entender agora?
Assim, se construímos para nós uma cultura hierarquizada e dividida imaginariamente entre brancos, negros e índios, estamos marchando contra nós mesmos, visto que somos, todos, um pouco branco, um pouco negro, um pouco índio e assim por diante. Esse é o sentido da centopéia de duas cabeças da qual falava Helio Santos. É como se todas as cabeças pensassem num único sentido: contra nós mesmos! Veja que triste situação nos encontramos.
 
Leitura obrigatória:
SANTOS, H. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. São Paulo: Editora Senac, 2001 (Texto 5A: A introjeção do racismo e do preconceito, 4º passo; Texto 5B: A não-identidade étnica e racial do negro brasileiro, 5º passo; Texto 5C: Uma visão integrada da trilha, p. 148-177).
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
  • Filme: Segredos e mentiras. Dir.: Mike Leig. Grã-Bretanha, 1996.
  • Música: Canção pra Ninar um Neguim, Zeca Baleiro (em homenagem ao Michael Jackson).
  • Música: Retirantes, Dorival Caymmi.
  • Música: Assum Preto, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
 
Exercício comentado:
O fato de que o próprio negro-descendente assumir (em sua cabeça), como se fosse verdade, as ideias armadas contra si pela ideologia racista, pode ser considerado, segundo Hélio Santos, como:
A) discriminação racial.
B) racismo.
C) introjeção do racismo.
D) processo nacional de branqueamento.
E) mito da democracia racial.
 
Comentário: Alternativa correta (C):
Por introjeção do racismo, Hélio Santos entende as formas com que o racismo se enraíza na interiorização pelos negros, de normas enunciadas pelos discursos dos brancos racistas. Estas representações introjetadas na cabeça do negro impede que uma pessoa com ascendência negra possa assumir sua verdadeira identidade, além de produzir a própria reprodução do racismo.

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