Voltam à baila os compostos com o prefixo SEM, de que começamos a falar na coluna Não Tropece na Língua 89 (“sem-terra invadiram”). Pedem-me que esclareça, com mais exemplos, as duas maneiras como esse tipo de vocábulo é tratado na língua portuguesa. Desconheço qualquer regra formalmente estabelecida nos livros, mas tento formalizar uma distinção pelo que aprendi com Celso Luft e pelo pouco que encontrei em cada dicionário.
I - NÃO flexionam em gênero e número os substantivos e adjetivos formados com o prefixo
sem que dizem respeito a pessoas, isto é, em que na frase está implícito ou explícito um substantivo como “indivíduo, homens, mulheres, agricultor(es) etc.” São termos comuns nos meios de comunicação. Seguem exemplos de todos aqueles já dicionarizados:
Os trabalhadores
sem-terra querem seu quinhão.
Todos os
sem-pão estão subnutridos.
A maioria dos
sem-dinheiro declinou do emprego.
Não há esperança para os
sem-luz.
Esperamos que os
sem-lar superem suas dificuldades.
Os
sem-teto acamparam em frente ao palácio.
O ministro fez promessas aos
sem-trabalho.
As
sem-família votaram contra.
Muitos modelos
sem-nome se transformam em atores
sem-sal.
Que gente
sem-vergonha! São
sem-palavra!
O pior de tudo é ser
sem-amor.
II – Podem ser variáveis os substantivos e adjetivos que se referem a atos e fatos. Ou seja: alguns flexionam no plural, outros não; quanto a gênero, há variedade de casos. A maioria é de uso raro – deixo, por isso, de dar exemplos em orações; apenas anoto o significado ao lado.
NÃO têm plural:
Sem-número [quantidade indeterminada]
Sem-par [ímpar, sem igual] – “dificuldades sem-par”
Sem-pudor [despudor]
Sem-pulo [chute]
Sem-ventura [desventura]
TÊM plural:
Sem-cerimônia [informalidade, falta de modos]
Sem-cerimonioso [mal-educado]
Sem-fim [vastidão] – “nos sem-fins das chapadas”
Sem-gracice [insipidez]
Sem-justiça [injustiça, ato injusto]
Sem-razão [desarrazoado, desrazão, injúria]
Sem-segundo [único, singular]
Sem-termo [vastidão]
Sem-vergonhice ou sem-vergonhismo [mau-caratismo]
Obviamente há certas incoerências (não me culpem por elas!) que tornam o assunto espinhoso. Para finalizar, um exemplo que corrobora esse comportamento diverso entre pessoas e fatos. O substantivo “sem-justiça” [Não me conformo com tantas
sem-justiças] ficaria invariável se se referisse às pessoas desamparadas pela Justiça: “Os
sem-justiça do Nordeste estão pensando em reclamar ao bispo”.
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Maria Tereza de Queiroz Piacentini Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros 'Só Vírgula', 'Só Palavras Compostas' e 'Língua Brasil – Crase, pronomes & curiosidades' -
www.linguabrasil.com.br
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