terça-feira, 17 de setembro de 2013

Ser professor de Língua Portuguesa e Línguas Estrangeiras

1. SER PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA / LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
 
(...) Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de tudo.
Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza.
Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo descuidado, corre o risco de se amofinar e já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste.
Paulo Freire
 
    Escolhi essa reflexão de Paulo Freire para iniciar nossa conversa sobre o ser professor, por acreditar que nela esteja contida, de certa forma, a resposta à pergunta que fiz a você na apresentação deste livro-texto: o que é ser crítico para você? Gostaria que você já iniciasse este nosso diálogo pensando sobre o pensar de Freire, quando diz “sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar...”.
 
 
 
Refletindo!
 
O que será que ele quis nos dizer com isso? De qual saber devo cuidar? Mas o que é cuidar de meu saber?
O que devo fazer para isso?...
 
 
 
Ao longo de nosso trabalho, que tal um exercício de recuperar, o quanto você conseguir, os significados do que nos diz Freire nesse trecho por um lado tão pequeno, mas, por outro, tão profundo, sobre o ser professor? Em que sentido o ser crítico está presente nesse pensar?...
Agora que você já está na fase final do curso de Letras, já se perguntou o que fará e como dará sua primeira aula, quando for professor(a)? Acredito que essa seja uma pergunta não muito pensada quando ainda estamos estudando, ao longo do curso, mas que certamente nos assusta quando pensamos assim: “daqui a 6 meses estarei em uma sala de aula e serei eu o professor de língua portuguesa... serei eu a professora de língua inglesa...
    A discussão sobre o papel do professor de língua portuguesa ou do professor de língua estrangeira tem se intensificado atualmente nos contextos acadêmicos e muitas pesquisas têm sido realizadas em sala de aula com esses professores, com o objetivo de entender como se constituem, quais suas competências e quais os desafios que enfrentam em seu trabalho docente.
    Por outro lado, investiga-se também a importância do professor de língua portuguesa e de língua estrangeira no desenvolvimento do aluno. A Lei de Diretrizes e Bases no 9394/96 assegura aos alunos de Ensino Fundamental o aprendizado da língua materna, apontando-a como instrumento de inserção cultural e de desenvolvimento sócio-cognitivo. Nesse sentido, ressalta-se a importância do aprendizado da leitura e da escrita segundo os princípios do letramento[1], por ser esse aprendizado essencial nos processos de socialização do aluno, no desenvolvimento de sua capacidade de argumentar e, portanto, no desenvolvimento de sua competência crítica.
    Também a Proposta Curricular para o Ensino da Língua Portuguesa, de 1988, já apresentava uma discussão nessa direção. Vejamos:
 
A proposta de língua portuguesa não deve ser lida como uma solução, um receituário ou um rol de conteúdo a ser seguido; ela pretende, antes de tudo, ser um estímulo à reflexão, visando a uma mudança de ponto de vista e de atitudes em relação à linguagem e à língua e a uma consciência do papel do professor de Língua Portuguesa, para que seja capaz de adequar suas ações a esse papel (SECRETARIA DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1988, p.12).
 
    Vejamos o que dizem os PCN de Línguas Estrangeiras, documento orientador das propostas curriculares, em vigor desde 1998:
 
A aprendizagem de língua estrangeira é uma possibilidade de aumentar a autopercepção do aluno como ser humano e como cidadão. Por esse motivo, ela deve centrar-se no engajamento discursivo do aprendiz, ou seja, em sua capacidade de se engajar e engajar outros no discurso de modo a poder agir no mundo social. Para que isso seja possível, é fundamental que o ensino de língua estrangeira seja balizado pela função social desse conhecimento na sociedade brasileira. (...) Os temas centrais desta proposta são a cidadania, a consciência crítica em relação à linguagem e os aspectos sociopolíticos da aprendizagem de língua estrangeira. (...) usar a aprendizagem de línguas como espaço para se compreender, na escola, as várias maneiras de se viver a experiência humana.
 
    São muito claras as propostas de ensino de língua materna e de línguas estrangeiras no que diz respeito ao papel social exercido pela língua / linguagem e na relevância de um ensino que não permaneça com foco na estrutura linguística. Esse é, portanto, nosso papel ao estudar as diferentes maneiras de um professor trabalhar em sala de aula.
 
    Articulando os dois aspectos – o do papel do professor e o das necessidades do aluno em relação à língua –, podemos entender a importância de se estudar a prática docente. Como já afirmava Castro (1989, p.27), em aulas voltadas ao aprendizado de língua materna ou de língua estrangeira, “o fazer é também um dizer sobre o dizer”, ou seja, o objeto investigado nas aulas é, ao mesmo tempo, o orientador da investigação; a língua é o instrumento de comunicação e o objeto dessa comunicação. Nessa mesma direção, afirma Leal (2009, p.1303-4) que
 
a aula de Português caracteriza-se (...) por uma relação de circularidade entre o uso que se faz da língua e a sua análise, porque a segunda implica a reflexão sobre o primeiro e visa o aperfeiçoamento daquele e aquele, por sua vez, permite o aprofundamento da segunda (a capacidade de análise do sistema linguístico e dos seus usos).
 
    Interessante pensar nessa “circularidade” como discutida por Leal. Então isso quer dizer que, como professores de língua materna, especificamente, somos responsáveis por orientar nossos alunos para que transformem os conhecimentos cotidianos, empíricos que trazem sobre a língua, por conta do convívio social em uma comunidade de falantes, em conhecimentos organizados sobre a língua, orientados por normas e convenções determinadas pelos diversos contextos sociais dos quais participam.
 
    Você acha que as normas e convenções às quais me refiro são as normas gramaticais, ortográficas? Não. Na verdade, não me refiro a essas normas, mas às que regem as comunidades discursivas; aquelas que permitem ao sujeito, por meio da linguagem, ter sua voz reconhecida num evento linguístico. Isso é muito mais do que orientar alunos para que conheçam as normas gramaticais ou as ortográficas, não é mesmo? Significa orientar para que o aluno aprenda o uso da língua e faça dela um instrumento para posicionar-se socialmente.
 
    Percebe a responsabilidade atribuída a você, que será amanhã ou depois, um professor de língua portuguesa ou um professor de língua estrangeira?
 
 
 
Saiba Mais!
 
Que tal ler o artigo de Susana Mira Leal, intitulado “Ser Professor... de Português: especificidades da formação dos professores de língua materna”? Você o encontrará no endereço eletrônico
<http://www.educacion.udc.es/grupos/gipdae/congreso/Xcongreso/pdfs/t3/t3c92.pdf>.
 
Como exercício, procure destacar, a partir da leitura e de seus conhecimentos de mundo, quais seriam os conhecimentos mais relevantes, necessários a um professor de língua materna.
 
 
    Oliveira (2010, p.15-6), ao discutir o papel do professor de português – e podemos ampliar essa discussão ao âmbito do professor de línguas estrangeiras –, afirma haver um problema com os professores: eles “geralmente demonstram pouco interesse por questões teóricas”. Para o autor, isso pode ser reflexo do próprio aprendizado desses professores, que priorizou sempre a prática em detrimento da teoria. Ou seja, nas aulas de português frequentadas por grande parte dos professores que atuam hoje como docentes, as teorias linguísticas foram abordadas, porém, sem relação com as práticas de linguagem efetivas, que ocorrem em contextos sociais.
 
    Essa discussão nos conduz às seguintes questões: Qual o papel da teoria na vida de um professor? De quais teorias precisamos, como professores? O que fazemos com as teorias pedagógicas?
 
    O papel das teorias é subsidiar nossas ações como professores, nos auxiliar na tomada de decisões sobre por que usar este ou aquele material, esta ou aquela estratégia e também nos ajudar a explicar nossa prática, iluminada por conceitos que estão ancorados em uma determinada concepção de aprendizagem.
 
Esse movimento do professor em querer fundamentar sua prática e, portanto, em encontrar razões teóricas que justifiquem suas escolhas é o que chamamos “reflexão crítica”, isto é, o movimento de investigarmos nossa própria ação, procurando explicações para: “o que faço”, “como faço”, “por que faço assim”, “para que faço isso”, “para quem faço”, “em que contexto faço isso”. O movimento de refletir criticamente sobre a prática docente nos leva à prática de ações conscientes, cada vez mais distanciadas daquelas pautadas somente na repetição passiva daquilo que os materiais didáticos oferecem e sugerem.
Freire muito nos auxilia a pensar nesses aspectos citados. A grande pergunta que paira sobre todo o seu pensar pedagógico é “a quais interesses o meu fazer como professor serve?” Responder a essa indagação corresponde a pensar que cada professor tem um papel político, com grande parcela de responsabilidade sobre o desenvolvimento de seus alunos, e que, para isso, precisa preparar-se, construindo saberes que diferem, muito provavelmente, de grande parte das práticas vivenciadas quando alunos.
Oliveira (op cit., p.16) nos apresenta 5 coisas que todo professor de português precisa saber” e discute teoricamente cada uma delas. Estendemos essa discussão a professores que trabalham também com línguas estrangeiras. Vejamos:
 
1.      O que é ensinar.
2.      O que é método de ensino.
3.      O que é língua.
4.      O que é saber português.
5.      A razão pela qual se ensina português para brasileiros.
 
Você deve estar se perguntando: “ensinar português para brasileiros? mas todo brasileiro sabe português...”
Intrigante pergunta, não é mesmo? O autor se refere, na verdade, a uma discussão cujo foco é pensar sobre o que o brasileiro não sabe de sua própria língua, mas que seria essencial para seu desenvolvimento como cidadão, para seu envolvimento de modo mais crítico e sustentado nos diferentes contextos sociais. A reflexão sobre essa questão nos conduz também a outra: Qual a funcionalidade da língua? Qual a funcionalidade dos estudos sobre gramática normativa, por exemplo? Ou da elaboração de um texto dissertativo?
Deixando essas questões em stand by, vamos às 5 coisas que o professor precisa saber.
 
 
1.1 O que é ensinar
 
    Seja qual for a área de atuação de um professor, o primeiro passo para entender seu papel é o resgate das concepções de ensino-aprendizagem, pois estas têm orientado todas as práticas didático-pedagógicas em sala de aula e nem sempre são discutidas com profundidade.
    As discussões sobre ensino e aprendizagem estão sustentadas por teorias psicológicas e procuram levar ao entendimento sobre de que maneira os sujeitos aprendem e estabelecem relações entre essa aprendizagem e o que os cerca no mundo. Há muitos pesquisadores que têm investigado as teorias de aprendizagem e organizado, didaticamente, agrupamentos dessas teorias, facilitando nosso trabalho.
Podemos elencar, por exemplo, Mizukami (2001), que discute as abordagens: tradicional, comportamental, humanista, cognitivista e sócio-cultural, afirmando que, de acordo com cada uma delas, um ou outro aspecto do fenômeno educacional é privilegiado. Outra pesquisadora que tem se dedicado a essa mesma questão é Bock (2001, p.114). Segundo ela, podemos agrupar as teorias de aprendizagem em duas grandes categorias: o condicionamento e ocognitivismo.
 
Essas teorias podem ser genericamente reunidas em duas categorias: as teorias do condicionamento e as teorias cognitivistas. No primeiro grupo, estão as teorias que definem a aprendizagem pelas suas consequências comportamentais e enfatizam as condições ambientais como forças propulsoras da aprendizagem. Aprendizagem é a conexão entre o estímulo e a resposta. Completada a aprendizagem, estímulo e resposta estão de tal modo unidos, que o aparecimento do estímulo evoca a resposta.
 
    Isso lembra alguma coisa a você? Lembra algum tipo de aula ou de atividade que exigia que você fizesse muitas vezes a mesma coisa, para lembrar-se depois? É exatamente a concepção apontada pela autora: por repetir muito uma dada maneira de resolver uma situação-problema de sala de aula, o aluno teria, então, condições de acionar esse modelo quando estivesse novamente à frente de tarefas semelhantes. Então, teria aprendido.
 
    Avançando na discussão, Bock (op cit., p.114) nos aponta a segunda categoria das teorias de aprendizagem, as cognitivistas:
 
Nesse segundo grupo estão as teorias que definem a aprendizagem como um processo de relação do sujeito com o mundo externo e que tem consequências no plano da organização interna do conhecimento (organização cognitiva).
 
    O fato é que há diferentes teorias relacionadas à aprendizagem, todas preocupadas com a concepção de homem e de seus modos de pensar. Vamos aqui discutir brevemente três concepções que trazem marcas relevantes quando pensamos no ensino de língua materna e línguas estrangeiras: a behaviorista, a construtivista e a sócio-histórico-cultural.
 
 
1.1.1 Concepção behaviorista de aprendizagem
 
    Essa corrente também tem sido chamada de comportamentalismo ou de ambientalismo. De acordo com ela, uma pessoa aprende por meio de comportamentos ou hábitos adquiridos em situações de estímulo-resposta. Isso significa, por exemplo, pensar que um aluno, ao fazer muitas vezes o mesmo exercício, adquire um conjunto de hábitos que permitem a ele resolver outras situações ao repetir esses hábitos, e ser recompensado por isso.
 
 
 
Vasculhando a memória!
 
Quando pensamos nessa corrente, que tipo de aula vem à sua mente?
 
 
 
Se uma pessoa aprende por meio dos estímulos que recebe do meio, então o aluno nessa aula estaria sempre à espera de um estímulo vindo de algo ou de alguém. Nessa perspectiva, a aula é o lugar da repetição de comportamentos considerados corretos, à espera de que o aluno adquira hábitos que permitam a ele sempre acertar. Em caso de erro, ele é corrigido, para que não volte a errar. Nessa visão de aprendizagem, o professor é o elemento mais importante em sala de aula, pois é ele quem tem os considerados comportamentos corretos e adequados, devendo, portanto, ensiná-los aos alunos.
Se olharmos o aluno que está sendo formado por essa escola, nos deparamos com um ser passivo, que recebe e não deve questionar, que é dependente do professor e dos conhecimentos impostos. Nessa perspectiva, a realidade é vista como um fenômeno completamente objetivo, o mundo já está construído. O ambiente é determinante em relação a quem será esse ser humano que está em desenvolvimento: ele será aquilo que a sociedade está indicando, uma pessoa que terá respostas previsíveis, de acordo com as solicitações já planejadas socialmente. Ora, para isso o professor é então o detentor do saber, pois somente por ele esse novo ser humano terá acesso àquilo que está determinado.
 
 
 
Refletindo!
 
Quem é o ser humano que se forma a partir dessa escola?
Que tipo de saber essa pessoa terá?
Que tipo de ações essa pessoa praticará?
 
 
 
 
Parada para reflexão!!!
 
Aqui vai um pequeno exercício para você: experimente preencher o quadro abaixo, caracterizando cada um dos elementos a partir da situação prática de ensino em sala de aula[2] de língua portuguesa descrita a seguir. Certamente essa situação já foi vista ou vivenciada em sua vida de aluno e em sua trajetória escolar. O quadro já apresenta algumas células completas. Complete-o, a partir do que já está presente.
 
 
Situação
 
Numa sala de aula de 7o ano do Ensino Fundamental, uma professora de língua portuguesa inicia sua aula dizendo aos alunos que trabalharão com um texto que todos deverão ler o texto em voz baixa e logo em seguida, responder às questões colocadas na lousa. Depois de terminarem os exercícios, alguns alunos escolhidos pela professora irão à lousa apresentar aos colegas suas respostas ao questionário sobre o texto. A professora diz aos alunos que devem se basear no texto para responder e que não quer nada que não esteja presente no texto. Eles devem dizer o que o autor do texto diz e não devem inventar nada ou imaginar nada.
O texto apresentado aos alunos é uma história de ficção e uma das perguntas propostas é “O que o autor quis dizer quando apresentou o personagem Solimões usando o adjetivo ‘rapaz intrigante’?” (pergunta no 5). Essa é a única pergunta cuja resposta não está explícita no texto. As demais são apresentadas aos alunos na ordem em que aparecem no texto.
Quando perguntamos à professora qual o papel da atividade, ela nos disse que os alunos precisam melhorar a leitura e a escrita, por isso, responder as questões a partir do que está no texto os ajudará a desenvolver a competência leitora e escritora.
 
 
Segue um trecho da aula, gravado e transcrito:
 
 
Transcrição 1
 
Profa1:     Carlos, você já leu o texto? O que que você ta fazendo conversando com o Luiz?
Carlos1: Não, professora. É que nós tamo discutindo o texto, porque eu não sei onde tá uma pergunta.
Profa2:     Mas eu já disse que está tudo no texto. O que é que você não acha? Me fala?
Carlos2: É a pergunta 5, professora. Eu não acho ela.
Luiz1:      É, professora. A gente encontrou a 4 e a 6, mas não tem a 5.
Profa3:     Gente, vejam o que os meninos falaram! Eles não encontraram a pergunta 5. Vocês também não? Gente... O que vocês responderam pra essa pergunta?
(muitos alunos falam ao mesmo tempo, dizendo que não encontraram a resposta ou que ainda não chegaram na pergunta 5)
Priscila1: Eu disse que ele não sabe fazer as coisas, por isso ele é “intrigante”.
Profa4:     Não, Priscila. De onde você tirou isso? Tá errado. O autor não fala isso no texto. Fala, gente? Ele fala isso?
Priscila2: Então a gente não sabe.
Profa5:     É isso mesmo. Eu explico. Quando o autor fala que o Solimões é um rapaz intrigante, ele quer dizer que o moço é um pouco estranho e diferente dos outros. Vejam nos outros parágrafos depois que ele apresenta o Solimões, se vocês não percebem que ele vai falando do personagem e deixando algumas dúvidas.
Luiz2:      Então é pra gente responder que ele é estranho? Isso tá bom?
Profa6:     Tá. Mas é pra fazer individual, viu, seu Luiz e seu Carlos? Sem se comunicar. Depois eu vou te chamar pra ir na lousa.
 
 
Quadro 1: caracterizando a aprendizagem behaviorista
 
 
Explicação
Trecho que exemplifica
 
 
 
 
Papel do
Professor considera que o conteúdo é preestabelecido e imutável, buscando padronização de comportamentos.
 
professor
 
 
 
 
 
“Mas eu já disse que está tudo no texto. O que é que você não acha? Me fala.”
 
 
 
 
Papel do
 
“Então é pra gente responder que ele é estranho? Isso ta bom?”
aluno
Aluno reproduz conhecimentos, com pouco ou nenhum espaço para desenvolver argumentação sobre o que faz.
 
 
 
 
Papel das práticas realizadas em sala de aula
 
As práticas se apresentam como sequência lógica, linear, não favorecendo conexões do aprendido com necessidades reais.
 
 
“...os alunos precisam melhorar a leitura e a escrita, por isso, responder as questões a partir do que está no texto os ajudará a desenvolver a competência leitora e escritora.”
 
 
 
 
Papel do
 
“Não, Priscila. De onde você tirou isso? Tá errado. O autor não fala isso no texto. Fala, gente? Ele fala isso?”
erro
Erro não é usado para desenvolver a capacidade de pensar do aluno.
 
 
 

 
 
 
Intrigante?!      
 
Veja quantos aspectos já temos para discutir a partir dessa situação:
- o que é leitura e escrita para essa professora?
- qual o papel da interação em sala de aula?
- como trabalhar com textos?...
 
 
 
    Você concorda comigo, que cada situação de sala de aula revela a concepção de ensino-aprendizagem do professor? Pense nisso!
 
    Embora a concepção behaviorista de aprendizagem carregue toda essa marca de não dar ao aluno espaços para desenvolver sua autonomia, por considerar o conhecimento como pré-determinado pelo ambiente, e de dar ao professor esse papel de detentor do conhecimento, é preciso lembrar, como diz Oliveira (2010, p.26), que essa concepção teve uma “implicação muito positiva para a sala de aula: começou-se a se preocupar com o planejamento do ensino”. Super importante esse aspecto, pois justamente para que tudo fosse controlado em sala de aula, os professores perceberam a necessidade de “planejar” suas aulas.
Assim, podemos pensar nesse ganho “inegável” para o professor, mas não podemos nos esquecer das perdas acarretadas por essa corrente, principalmente em relação ao papel do aluno – passivo, com pouco ou nenhum espaço para o desenvolvimento de criticidade e autonomia, e ao papel do professor – transmissor do conhecimento, depositor do conhecimento na mente dos alunos.
 
 
 
Refletindo!
 
Transfere-se o conhecimento para a mente de alguém? Transfere-se um pacote de informações para a cabeça de alguém? Conhecimento e pacote de informações correspondem à mesma coisa?...
 
 
   
    Mas agora, vamos à segunda concepção de aprendizagem: a concepção construtivista.
 
 
1.1.2 Concepção construtivista de aprendizagem
 
    Numa direção distinta da behaviorista, pesquisadores, a partir da segunda metade do século XX, iniciaram estudos que focalizavam o papel do aluno no processo de ensino-aprendizagem, objetivando mostrar que a partir da forma como as aulas fossem ministradas e do papel do professor, esses alunos poderiam assumir o papel de protagonistas na construção de conhecimentos.
    Uma das mais significativas contribuições nesse sentido surgiu com as pesquisas de Jean Piaget, para quem o ser humano se desenvolve a partir de fases maturacionais, biologicamente situadas, que se sucedem ao longo da vida. Nessa perspectiva, podemos dizer que o papel da interação ganha forças, pois o mundo passa a ser um espaço no qual os seres humanos interagem, em busca de assimilar conhecimentos novos e acomodá-los aos seus esquemas mentais, já existentes.
    Nessa concepção, toda a atenção recai no aluno e em seu desenvolvimento individual. Como seu desenvolvimento depende do que já traz em mente e das operações mentais que já consegue fazer, o professor precisa prestar muita atenção na maneira como o aluno mostra o que sabe, para problematizar e provocar desequilíbrios nesse aluno, capazes de fazê-lo avançar em relação aos esquemas mentais que já possui.
    É preciso lembrar que os estudos de Jean Piaget não foram realizados com foco nas situações escolares, mas sim em laboratório de psicologia. Isso significa que não podemos “levar” para a sala de aula a teoria piagetiana como se fosse uma cartilha de recomendações ao professor. É preciso pensar nela e nos avanços que ela trouxe à compreensão de como se aprende e também em como essa teoria se caracteriza em sala de aula.
    A visão construtivista está pautada no fato de o conhecimento ser uma construção contínua, que se dá na relação entre o sujeito e o objeto, sempre pela ação do sujeito. O fato de Piaget considerar as fases de desenvolvimento do ser humano, também nos leva à conclusão de que o conhecimento é construído quando o sujeito, por meio da reconstrução de seus esquemas mentais, avança para um novo plano. Nessa perspectiva, a sala de aula precisa propiciar aos alunos espaços para que investiguem e pesquisem sobre o que deve ser aprendido.
    Essa ideia pode gerar um mal-entendido: pode-se acreditar que, para que o aluno avance em seus esquemas, deva ter a liberdade incondicional de pesquisar sobre a situação de aprendizagem da forma como melhor lhe aprouver, o que não é verdade. Correto é pensar que na visão piagetiana, o professor, respeitando o desenvolvimento cognitivo do aluno, precisa criar situações para que este possa criar, inventar, descobrir sobre o objeto do conhecimento, agindo sobre ele.
    Considerando os aspectos expostos, podemos dizer que na perspectiva construtivista piagetiana, o ser humano “aprende a conquistar conhecimento pela aquisição individual. O foco recai no aluno e nas operações mentais, uma vez que aprender depende do desenvolvimento de cada um” (LIBERALI, 2009, p.10).
Pensando nisso, que papel você acredita que seja o do professor? E o do aluno?
Afirma ainda Liberali (op cit., p.10) que
 
Nessa perspectiva, formam-se indivíduos com autonomia, que aprendem a recorrer a suas capacidades e a contar consigo mesmos para alcançar suas metas. Esses sujeitos desenvolvem ideias próprias, capacidade criativa e uma visão particular do mundo.
 
            Veja o que afirma um professor sobre uma aula com o mesmo material e a mesma atividade da aula apresentada na situação 1, exposta anteriormente:
 
Prof. André: Dei essa atividade para meus alunos também, mas acho que eles precisam fazer aquilo que conseguem. Então, não exigi que todos terminassem o questionário e também deixei que cada um respondesse de sua própria cabeça o que significava “rapaz intrigante”. Depois que todos terminaram a atividade, enquanto faziam outra tarefa, fui chamando em minha mesa cada um deles e perguntando o que haviam pensado para responder àquela questão. Foi interessante, porque pude perceber o que cada aluno sabe e o que ainda não sabe. Orientei cada um para que escrevesse mais sobre sua ideia a respeito de “rapaz intrigante”, discuti o que poderia ser considerado e o que não cabia na questão, com alguns alunos, fui ao dicionário... Aqueles que dominam a escrita acabaram escrevendo coisas interessantes, mas há os que ainda não escrevem bem e então, esses eu permiti que apenas me falassem o que pensam e discuti com cada um, pois para escrever, teriam muita dificuldade.
 
 
 
Parada para reflexão!!!
 
Preencha as células vazias do quadro a seguir, pensando nos diferentes papéis – de professor, de aluno, de práticas de sala de aula e do erro –, considerando o excerto acima, da entrevista com o professor André.
 
Quadro II: Caracterizando a aprendizagem construtivista
 
Explicação
Trecho que exemplifica
Papel do professor
Professor estimula a pesquisa e o esforço do aluno, propondo situação-problema, porém, respeitando a fase de desenvolvimento de cada aluno.
 
Papel do
aluno
 
“...deixei que cada um respondesse de sua própria cabeça o que significava ‘rapaz intrigante’ (...) permiti que apenas me falassem o que pensam e discuti com cada um.”
Papel das práticas realizadas em sala de aula
As práticas favorecem descobertas individuais, provocam desequilíbrio, sempre dentro do desenvolvimento maturacional do aprendiz, dentro de sua fase evolutiva.
 
Papel do erro
 
“...discuti o que poderia ser considerado e o que não cabia na questão, com alguns alunos, fui ao dicionário...”

 
 
 
 
Refletindo!
 
Nessa concepção, estariam contempladas, por exemplo, as situações nas quais o ser humano precisa discutir um dado assunto, precisa buscar consensos sociais, precisa considerar a sociocultura como dado relevante para esses consensos?
 
 
 
    Afirma Bock (2001, p.142) que
 
Piaget apresenta uma tendência hiperconstrutivista em sua teoria, com ênfase no papel estruturante do sujeito. (...) A teoria de Piaget apresenta também a dimensão interacionista, mas sua ênfase é colocada na interação do sujeito com o objeto físico; e, além disso, não está clara em sua teoria a função da interação social no processo de conhecimento.
 
Pensando nesse aspecto, vamos à concepção que mais nos interessa neste momento: a concepção sócio-histórico-cultural de aprendizagem.
 
 
1.1.3 Concepção sócio-histórico-cultural de aprendizagem
 
    Nessa perspectiva, a maior relevância pode ser dada aos estudos de Lev Semianovitch Vygotsky, que considera sujeito e mundo inseparáveis, um atuando sobre o outro para provocar transformações e desenvolvimento no próprio sujeito e no contexto. Importam, sobremaneira, as possibilidades geradas para a reflexão do sujeito sobre o mundo.
    Assim considerada, a situação de aprendizagem deve se caracterizar por atividades mediadas pelos artefatos culturais e pelos próprios sujeitos que, ao tomarem consciência sobre o contexto em que se encontram inseridos, agem sobre ele.
   Segundo Oliveira (2010, p.28), nessa perspectiva,
 
o aluno (...) não é mais visto como um ser passivo – ele passa a ser concebido como um sujeito que, para construir seus conhecimentos, se apropria dos elementos fornecidos pelos professores, pelos livros didáticos, pelas atividades realizadas em sala e por seus colegas,
 
para, a partir daí, desenvolver argumentos sobre o significado desses elementos no contexto social. O que se pretende, portanto, a partir dessa concepção, é que sejam formados indivíduos capazes de
 
compromisso colaborativo com o mundo e com o outro para atuar em diferentes contextos sociais. Esses sujeitos aprendem a expor ideias e a ouvir as dos demais, percebem a possibilidade de buscar as informações que lhes são necessárias e desejam transformar o meio e a si mesmos (LIBERALI, 2009, p.10).
 
 
 
Refletindo!
 
Ao considerarmos o professor de língua portuguesa ou o de línguas estrangeiras, não seria de extrema relevância pensar que esse professor tem o incrível papel de contribuir para que seus alunos conheçam a língua e atribuam a ela o papel de construtora de significados, de mediadora de conflitos, e que é a língua aquela que os capacitará a agirem de modo crítico no mundo?
 
 
 
    Oliveira (2010) afirma que, em seus estudos e pesquisas com professores, tem ficado cada vez mais claro o posicionamento de todos, de que é essa concepção sócio-interacionista que deve orientar as práticas didático-pedagógicas dos professores de línguas (portuguesa e estrangeiras) em sala de aula.
 
Parada para reflexão!!!
 
Novamente, vamos pensar nas características de práticas de sala de aula, agora considerando a visão sócio-histórico-cultural de aprendizagem. Preencha as células vazias do quadro apresentado pensando nos diferentes papéis – de professor, de aluno, de práticas de sala de aula e do erro –, considerando o excerto a seguir, transcrição de uma aula de língua portuguesa, turma de 7o ano, professora Carolina (Aula sobre um episódio da série ”A Diarista”, apresentado pela rede Globo, gravada e transcrita para pesquisa de trabalho de conclusão de curso em letras, UNIP, 2006).
 
Transcrição 2
 
Profa30: Agora que a gente já discutiu o que vocês sabem sobre “A Diarista”, vamos ver as questões. Quem pode me falar?
Al38:        A história tem diferentes modos de viver. Uma forma é a do trabalhador, professora.
Profa31:    Isso, isso! Que mais?
Al39:        Tem o político, a polícia, o rico...
Profa32: Essas pessoas, personagens que representam esse segmento social, estão neste episódio que assistimos. Então vocês pensam: como é que eles estão representando esses trabalhadores? Vocês viram o trabalhador, o político, a polícia e uma pessoa rica. E agora? Como é que esse programa está tratando estas pessoas, como é que está abordando, que imagem eles estão passando dessas pessoas, desses segmentos sociais... São justas ou são preconceituosas?...
(...)
Profa33: Isso mesmo. Então, será que eles estão tratando, fazendo uma boa imagem do trabalhador, fazendo uma boa imagem do político, fazendo uma boa imagem da polícia, ou não? Ou estão divulgando algum preconceito?
Al40:        Então, professora, eu acho que o programa fala da empregada doméstica tirando o sarro dela. Minha mãe é empregada doméstica e ela fica “p” da vida quando assiste, porque diz que fazem assim com ela também.
Profa34:    Pessoal, olhem só o que o Claudio está falando. Alguém quer dar uma contribuição para essa fala dele? Vocês acham que ele está dizendo que tem preconceito ou que não tem? Como é / em que pedacinho do episódio o Claudio reparou nisso, hem, gente? Quem pode nos dizer?
Al41:        Na casa, a moça rica fala assim “Não fale nada. Você tem que ficar quieta. Quem pediu a sua opinião?” Minha mãe disse que ela já ouviu isso. Ela ficou sem graça, mas ela acha que é assim mesmo, que quem é rico pode falar assim e que ela tem mais é que ficar quieta, porque senão ela não ganha. Mas eu não acho isso.
Al42:        Você tem que falar pra sua mãe como é que ela pode falar com a moça.
Profa35: Luiz, você encontrou um trecho legal para a gente discutir essa questão do papel social que as pessoas têm. E você viu como é que a televisão tratou essa questão? Quem é que pode complementar essa opinião que o Luiz trouxe pra gente? O Carlos já disse uma coisa importante. É importante isso para a nossa discussão sobre o preconceito? Tem algum outro meio de comunicação que também faz isso, trata de forma preconceituosa as pessoas? Tem algum programa?... Como é que você pode falar pra sua mãe, Luiz, sobre essa questão? Carlos, você tem alguma sugestão para o Luiz? Gente?...
Al43:        Acho que sua mãe tinha que gritá com a moça e saí de lá.
Profa36: Vamos pensar aqui com o José Carlos. Vocês acham isso também? O que que isso representaria? Quem tem algum argumento legal para dar ao José Carlos sobre por que é que essa não seria a melhor forma de agir da mãe do Luiz? José Carlos, você também pode pensar... Vamos, gente...
(...)
 
Quadro 3: Caracterizando a aprendizagem sócio-histórico-cultural
 
Explicação
Trecho que exemplifica
Papel do professor
Professor provoca conflitos, dando suporte ao aluno; medeia tais situações, orientando os alunos na busca por consensos que lhes permitam conhecer mais a realidade; sugere a participação dos alunos no sentido de desenvolverem a argumentação com fundamento.
 
Papel do
aluno
 
“Na casa, a moça rica fala assim ‘Não fale nada. Você tem que ficar quieta. Quem pediu a sua opinião?’ Minha mãe disse que ela já ouviu isso. Ela ficou sem graça, mas ela acha que é assim mesmo, (...) porque senão ela não ganha. Mas eu não acho isso”.
Papel das práticas realizadas em sala de aula
As práticas pressupõem a interação entre aluno, conhecimento e os outros; priorizam a discussão e a negociação de significados; consideram como relevante a relação aprendizado – mundo real.
 
Papel do erro
 
“Quem tem algum argumento legal para dar ao José Carlos sobre por que é que essa não seria a melhor forma de agir da mãe do Luiz? José Carlos, você também pode pensar...”

 
    Uma vez discutido “o que é ensinar” e as diferentes concepções que orientam professores em suas práticas, vamos à segunda questão proposta por Oliveira (2010): O que é método de ensino.
 
 
1.2 O que é método de ensino
 
    Por método, entendemos o caminho, os passos a serem dados para se alcançar um determinado fim. Um método se caracteriza por ações conscientes, planejadas e controladas, que descrevem estratégias e procedimentos usados pelos professores em situações de sala de aula.
    Podemos pensar em duas dimensões importantes para o método: a do planejamento ou plano ideal para uma dada disciplina, e a das ações efetivas para a sala de aula. Oliveira (2010, p.30-1) aponta um aspecto interessante quando pensamos em método: ele é composto de três partes: a abordagem, o projeto (ou design, como tem sido chamado principalmente quando se trata do ensino de línguas estrangeiras) e o procedimento.
    Muito importante em nossa área do conhecimento é a abordagem. É ela que traz para a discussão o objeto mais significativo para um professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras: a concepção de língua (ou a teoria linguística de base). É essa teoria de língua/linguagem, aliada à teoria de aprendizagem, que possibilita ao professor tomar decisões sobre como trabalhar em sala de aula.
    Por projeto, entendemos o conjunto de conteúdos curriculares e seus objetivos, as práticas de sala de aula, materiais e uma descrição do que se espera em termos de papéis – de aluno, de professor, dos materiais. Procedimento indica o conjunto de ações práticas que viabilizará o projeto.
    Pensando em todos esses aspectos, precisamos, como professores na área de línguas, conhecer diferentes metodologias que possibilitam aos alunos o desenvolvimento das competências elencadas em nossos objetivos de disciplina e de curso. Essas metodologias serão discutidas ao longo de nosso trabalho, por meio dos exemplos de práticas de sala de aula.
 
 
Refletindo!
 
Considerando tudo o que já discutimos, qual a concepção de língua/linguagem ancora nossas práticas?
 
 
    Vamos agora ao terceiro aspecto considerado por Oliveira (2010) sobre o que um professor de português tem obrigação de saber: o que é língua.
 
1.3 O que é língua
 
    O modo como um professor de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras concebe língua/linguagem é determinante na escolha que esse professor faz de materiais para suas aulas, de como vai tratá-los, como vai discuti-los, nas suas decisões sobre quais práticas de avaliações utilizará e como dará consideração às diferentes manifestações linguísticas de seus alunos.
    Essa discussão enfatiza o rompimento com uma visão de língua estrutura, para entendê-la como uma construção social. A concepção de língua como estrutura, conjunto de regras, está ligada à corrente estruturalista e também à corrente chomskiana de estudos linguísticos. A primeira, fundamentada em Saussure, enfatizava a língua como estrutura e excluía de sua análise a fala, ou seja, excluía exatamente o uso social da língua. A segunda, fundamentada em Chomsky, via a língua como um conjunto de regras inatas ao falante, considerava competência e desempenho, mas excluía da análise linguística o falante real, ou seja, excluía também o uso social da língua.
    Práticas de sala de aula pautadas na visão de língua como estrutura e conjunto de regras são aquelas que se mostram preocupadas com o uso correto da língua, reforçando comportamentos linguísticos considerados mais adequados e descartando os considerados menos adequados; são as práticas que enfatizam e priorizam o ensino da gramática.
    Vamos, agora, à concepção de língua que orientará toda a nossa discussão didático-pedagógica nas próximas seções: língua como construção social. Essa visão é sustentada pelos estudos de Bakhtin, que, em meados do século XX, considerando a língua como um fato social que existe em função da necessidade dos indivíduos se comunicarem, valoriza a fala e formula a teoria da enunciação. A linguagem é vista então como resultado da interação humana e tem caráter essencialmente dialógico, não apenas como alternância de vozes, mas como confronto de vozes que existem em tempo e lugar social, historicamente determinados.
    Para Bakhtin e Volochinov (2006), o enunciado não é somente a matéria linguística. Outra parte, não-verbal, correspondente ao contexto da enunciação, é de fundamental importância. Essa abordagem sócio-interacional da linguagem considera que é na intersubjetividade e na interação das diferentes vozes que compõem o discurso, que as manifestações ideológicas se apresentam, deixando transparecer os pontos de vista de cada indivíduo no ato da comunicação. Nessa perspectiva, ao delimitar um objeto de pesquisa, como a linguagem, procurando estudá-la a partir de seus elementos constitutivos isolados, perdemos a essência do objeto estudado.
 
 
 
Refletindo!
 
Isso diz alguma coisa a você em relação às práticas didático-pedagógicas das quais você já participou em contextos escolares? Exercícios do tipo destaque o sujeito da frase, encontre os adjuntos adnominais, assim isolados do contexto, não te parecem distantes do contexto de uso da língua?
 
 
 
    Para Bakhtin e Volochinov (2006), estudar a linguagem enquanto um processo físico, fisiológico ou psicológico, não bastaria. Essas esferas isoladas não explicariam um fato linguístico senão fazendo parte de um contexto mais amplo de relações imbricadas, ou seja, o contexto social.
    Segundo o objetivismo abstrato, língua e fala estariam separadas uma da outra. A língua seria objeto da linguística (formas fonéticas, gramaticais e lexicais da língua) e nessa perspectiva, o indivíduo receberia, em seu meio social, um sistema imutável, de normas estáveis, de caráter abstrato e objetivo. Não seria considerado, nessa visão, o contexto da enunciação; a língua estaria desvinculada da esfera real de produção e de qualquer valor ideológico.
A crítica de Bakhtin e Volochinov nesse sentido refere-se, principalmente, ao fato de que nessa visão não se considera a história da língua e o valor ideológico que ela tem para cada falante, não sendo diretamente acessível à sua consciência. A língua estaria fora do fluxo da comunicação verbal e enquanto este fluxo avança, ela permaneceria estável. Bakhtin e Volochinov (1995) veem os indivíduos penetrando na corrente da comunicação verbal e se conscientizando de forma a poder usar a língua[3].
    Bakhtin e Volochinov (1995) expressam-se em relação à linguagem, considerando a interação verbal como sendo uma síntese dialética constituída a partir do subjetivismo idealista e do objetivismo abstrato. Para ele, toda enunciação é determinada por uma situação social imediata e pelo meio social mais amplo no qual o indivíduo está inserido e se dá na interação entre os indivíduos.
Para Bakhtin e Volochinov (1995, p.123),
 
a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.
 
Ao considerar a linguagem, por um lado, a partir de suas características formais e, por outro, de suas características sociais e de subjetividade, enquanto discurso, podemos analisá-la e compreendê-la como interação e mais ainda, como o lugar privilegiado para que os sujeitos manifestem suas representações ideológicas. Esse lugar do conflito que se dá pela linguagem, é, entre outros, a sala de aula. As relações sociais que acontecem nesse ambiente, em nenhum momento podem ser atribuídas a um sujeito individual, mas, segundo o dialogismo bakhtiniano, a um sujeito que se constitui socialmente por meio das interações verbais das quais participa.
    Considerando-se essa concepção dialógica de língua/linguagem, as práticas didático-pedagógicas em sala de aula de língua portuguesa ou de línguas estrangeiras não devem ter como foco o conteúdo das disciplinas. Estes são, nessa visão, artefatos culturais ou instrumentos que propiciam aos estudantes (sujeitos da atividade) contextos para produzir, compreender, interpretar, negociar significados de situações de uso da linguagem, necessárias ao seu desenvolvimento.
 
Parada para reflexão!!!
 
Agora que você já teve contato com as concepções de língua / linguagem, e já discutiu as diferenças entre uma concepção monológica e uma concepção dialógica, é preciso pensar em como isso se revela na sala de aula. Leia o relato a seguir e comente como você vê a concepção dialógica de língua/linguagem embasando a prática da professora. Miriam.
 
 
Relato[4]: Profa Miriam, Língua Inglesa – aula para alunos de 9o ano do Ensino Técnico – turmas A e B.
 
Quando pensei na atividade para meus alunos, o que eu queria, na verdade, era que eles vivenciassem um momento próximo a uma situação da vida real, e escolhi o processo seletivo para emprego, porque muitos alunos estão se aproximando dessa situação. Meu objeto de desejo era que os alunos conseguissem “mostrar o melhor de suas qualificações para seu possível empregador”. Discuti com eles, inicialmente, para ver como pensavam a atividade e o que consideravam que seria importante pesquisar / estudar, antes de participar efetivamente dela. Eles foram me dizendo que para participar de um processo seletivo, precisariam saber como era uma “ficha do candidato”, como fazer essa ficha no computador, que tipo de perguntas essa ficha traria. Eles elencaram vários aspectos e consideraram, após muita discussão durante a aula, quais seriam os conhecimentos mais importantes da língua inglesa, de todos os nossos conteúdos já estudados, que deveriam ter para participar do processo seletivo. Destacaram esses conhecimentos e cada grupo fez uma síntese para deixar disponível no mural da sala de aula, para que todos pudessem consultar enquanto se preparavam para o processo seletivo. Também fizeram uma pesquisa na internet para ver quais exigências, em termos de língua inglesa, eram feitas por empresas. Levantaram as “regras e valores” das empresas, e também possíveis aspectos que, em uma entrevista nas empresas escolhidas, os entrevistadores focalizariam. Para isso, cada grupo de alunos fez um levantamento do que era o produto base dessas empresas e elaboraram possíveis perguntas. Essas perguntas foram debatidas em uma aula específica, que usamos para observar duas coisas: primeiro, a relevância de se perguntar isso ou aquilo em um processo seletivo. Segundo, como haviam sido usados os conhecimentos específicos da língua inglesa ao formulá-las. Nessa aula, o que mais foi explorado foi a questão do “o que” perguntar. Percebi que muitos alunos haviam perguntado a familiares como um processo de emprego acontece, outros não tinham noção sobre isso. A aula foi um grande momento de descobrir o que se faz, o que se fala, na procura por um emprego. Em relação aos conteúdos específicos, consideramos tudo sobre os aspectos gramaticais da língua – estrutura das frases, tempos verbais, uso de phrasal verbs, de wh- questions e yes/no questions, auxiliary verbs, reporting events. Os alunos também exploraram possibilidades de vocabulário, pensando no específico relacionado à área das empresas selecionadas. Fizemos isso trabalhando mais ou menos assim: primeiro, discutimos o contexto das empresas, porque sem conhecer o contexto onde a prática de linguagem vai acontecer, acredito que não seria bom. Os alunos não saberiam como agir. Bom, para isso, os alunos procuraram informações sobre as empresas, de todo jeito: onde ficavam situadas, o tipo de cliente que elas tinham, o nível, a formação das pessoas que faziam parte da empresa. Depois, discutimos um pouco sobre que tipo de texto circulava nessa empresa e escolhemos alguns gêneros para ler juntos e procurar entender como eles se organizavam discursivamente. Por último, fizemos uma discussão, com esses mesmo textos, sobre os elementos coesivos do texto e a forma como eles foram construídos. Por exemplo: os alunos procuraram perceber se os textos que circulavam nas empresas eram muito ou pouco modalizados pois isso mostrava a eles se a condição discursiva lá na empresa era muito ou pouco avaliativa. Com essa parte da atividade, parece que a turma ficou mais confiante sobre o que fariam.
A atividade mesmo, a fase final, foi preparada pelas duas turmas de 9o ano, considerando as mesmas empresas, mas questões diferentes foram propostas para a seleção. Os alunos se misturaram para participar. Isso fez com que se preocupassem com o que encontrariam de novo, diferente daquilo que haviam planejado, o que deu à atividade um caráter mais real. Agora eles querem ampliar a atividade. Querem fazer a parte das empresas. Querem simular o departamento de contratações delas e analisar as entrevistas para selecionar os candidatos. Estamos planejando essa nova atividade, mas há conteúdos que ainda precisariam ser retomados para essa atividade, pois exigiria maior conhecimento linguístico dos alunos. Estamos pensando. Tenho sugerido que vejam filmes onde isso acontece e estamos elencando estruturas gramaticais necessárias para que essa comunicação ocorra de um jeito legal e o melhor possível para aprenderem o uso da língua inglesa.
 
 
 
    Em resumo, a língua, como afirma Oliveira (2010, p.37),
 
precisa ser concebida como um conjunto de estruturas gramaticais e lexicais à disposição dos falantes-ouvintes e dos escritores-leitores para que eles possam interagir socialmente em encontros culturalmente marcados.
 
Essa discussão nos permite apontar como focal, portanto, nas aulas de línguas: o espaço de interação mediatizado pelas práticas sociais de linguagem, o “erro” como possibilidade de avanço em relação ao conhecimento linguístico do aluno, e o texto como espaço de investigação de significados em decorrência da linguagem em uso.
 
1.4 O que significa saber português
 
    Esse aspecto está relacionado aos conceitos de gramaticalidade / agramaticalidade na língua, que consideram que o falante de uma dada língua produz enunciados gramaticalmente adequados, independentemente de ter aprendido na escola como se organiza essa língua.
 
    Podemos dizer que nossos alunos sabem português, ou seja, conhecem e se comunicam por meio de estruturas gramaticais adequadas, internalizadas com base em toda a sua vivência sócio-cultural. Oliveira (2010) no diz claramente que saber português
 
significa não apenas ter o domínio inconsciente das estruturas gramaticais, das regras que regem essas estruturas e do léxico, mas também ter o domínio de normas socioculturais de comportamento que nos possibilitam interagir uns com os outros. Saber português não é a mesma coisa que dominar a nomenclatura gramatical registrada pelas gramáticas normativas nem saber explicar as construções gramaticais.
 
    Se pensarmos em uma língua estrangeira, podemos considerar a mesma reflexão de Oliveira: saber uma língua estrangeira não significa somente conhecer sua estrutura, mas ser capaz de comunicar-se nessa língua, de entendê-la como manifestação social e cultural, acima de tudo.
 
    Cabe, então, nossa reflexão sobre por que se ensina, nas escolas, a língua portuguesa.
 
 
1.5 Razão pela qual se ensina português para brasileiros
 
    Certamente, todo estudante brasileiro sabe português. Ele pode até utilizar a língua sem o rigor em relação à gramática normativa, à língua padrão, mas seria preconceituoso de nossa parte dizer que esse estudante não sabe português.
    Podemos dizer, sim, que ele demonstra sua competência linguística de diferentes maneiras ao longo de sua escolaridade e, por que não, de sua vida. Isso revelado na escola indicaria ao professor o quanto o aluno é capaz ou não de participar de distintos eventos sócio-comunicativos. Muito claramente, Oliveira (2010) exemplifica esses aspectos: diz o autor que um aluno, dependendo da idade e série, não saberia como “se comportar linguisticamente em uma entrevista de emprego” (p.43), ou não saberia “redigir um curriculum vitae” (p.43), dentre outros atos linguísticos, mas, ainda assim, saberia português.
    Como já dissemos no início de nossa discussão, o ensino de português deve preocupar-se, portanto, muito mais com o comportamento linguístico em situações sócio-comunicativas diversas, do que com as regras e estruturas da língua. É a funcionalidade dessas regras e estruturas o que mais importa quando ensinamos português ou até mesmo uma língua estrangeira.
 
 
 
Refletindo!
 
Competência comunicativa! Esse é o foco!
 
 
 
    Agora que já discutimos o “ser professor de língua portuguesa / línguas estrangeiras”, podemos avançar em direção à sala de aula, nosso principal objetivo nesta disciplina. Isso você verá no próximo conteúdo. Até lá!!!


[1] Você já deve ter estudado a respeito de letramento. Em seção posterior retomaremos esse conceito e sua abrangência. Neste momento, apenas lembre-se de que na perspectiva do letramento a leitura e a escrita são instrumentos que não só favorecem como utilizam o conhecimento de mundo do sujeito, considerando as práticas de linguagem sempre inseridas em contexto social. Letramento deixa de ser, portanto, um conceito que focaliza o código linguístico, para focalizar o uso da língua como expressão social do sujeito.
[2] Todos as situações utilizadas neste livro-texto são fictícias, resultantes de discussões da professora autora em aulas de curso de especialização.
[3] No caso da aquisição de língua estrangeira, a consciência já estaria constituída graças à língua materna, segundo Bakhtin e Volochinov(1995).
[4] O relato apresentado foi adaptado de uma atividade social proposta por Liberali (2009, p.21), no livro Atividade social nas aulas de língua estrangeira. A autora apresenta um esquema de uma atividade social com foco no processo seletivo para emprego, que serviu como pano de fundo para orientar a elaboração do relato aqui apresentado. Os trechos entre aspas foram selecionados do texto de Liberali, exatamente como apresentados no livro. O relato indica as ações da professora.

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