terça-feira, 8 de maio de 2012

Conceitos básicos do gerativismo

Chomsky apresentou sua proposta teórica em um livro intitulado Syntatic Structures (“Estruturas Sintáticas”), publicado na década de 60. A partir daí essa teoria sofreu uma série de reformulações. Este texto não tem por objetivo tratar profundamente das questões dessa teoria e dos motivos que levaram às suas revisões e reformulações. Trata-se de um texto para iniciar o assunto com você, oferecendo condições básicas para acompanhar as disciplinas da área da Lingüística que constituem a grade curricular de um curso voltado para a linguagem, como é um curso de Letras. As duas teorias apresentadas aqui – o estruturalismo e o gerativismo – constituem bases teóricas muito importantes nos estudos da Lingüística. A partir delas muitas outras teorias foram construídas, permitindo o crescimento das discussões científicas sobre a linguagem.
Na primeira apresentação de sua teoria, Chomsky definiu a linguagem como um conjunto de sentenças formadas por elementos lingüísticos. A quantidade de sentenças possíveis em uma língua é infinita. Pense em um dia de sua vida quantas sentenças diferentes você ouve e quantas outras sentenças podem ser criadas a partir das ouvidas. No entanto, nem todas as combinações possíveis de elementos da língua resultam em sentenças possíveis dentro da língua. Basta lembrar do exemplo “bola jogam meninos os”. Isso significa que existem regras para a constituição dessas sentenças. Pode-se dizer:

“Os meninos jogam bola” “Os meninos que gostam de futebol jogam bola” “Os meninos que gostam de futebol e torcem pela Ponte Preta jogam bola” “Victor disse que os meninos que gostam de futebol e torcem pela Ponte Preta jogam bola” “Rachel contou que Victor disse que os meninos que gostam de futebol e torcem pela Ponte Preta jogam bola” e assim indefinidamente.

A cada seqüência acrescentada percebe-se que fica mais difícil para ser produzida e compreendida. Isso significa que apesar da quantidade de sentenças ser infinita, a extensão de cada uma delas é limitada. Note, no entanto, que, no caso acima, a limitação é decorrente de limitações da memória e não por fatores propriamente lingüísticos. A limitação da memória afeta o uso, não o conhecimento.
Para Chomsky, o lingüista deve ser capaz de construir uma gramática através da qual seja possível gerar todas as sentenças possíveis de uma língua e apenas as possíveis. Ou seja, o lingüista deve ser capaz de, através de sua gramática, dizer o que pertence àquela língua e o que não pertence; o que pode ser dito e o que não pode ser dito naquela língua; quais das “seqüências finitas são sentenças e quais não são”. (PETTER, 2002:15).
Além do mais, sendo a linguagem uma capacidade inata e específica da espécie (já que transmitida geneticamente na espécie humana), devem existir propriedades universais da linguagem. Cabe ao lingüista, encontrar essas propriedades universais de modo a ser capaz de descrever uma teoria geral da linguagem. “Essa teoria é conhecida como gerativismo” (PETTER, 2002:15).

Competência e desempenho (performance)

A teoria geral da linguagem de Chomsky, em seu momento inicial, se apoiava na distinção entre competência e desempenho, ou competence e performance. Por competência entende-se “o conhecimento do falante de um sistema lingüístico concebido como um conjunto de regras”. Desempenho significa “o uso dessas regras observado no comportamento lingüístico do falante nativo”. (LYONS, 1982: 236). Trata-se de uma distinção entre conhecimento e uso da linguagem muito importante na teoria, “sendo o conhecimento sempre muito maior que sua manifestação”. (SCARPA, 2001: 208). Note que:
A separação estrita entre conhecimento e uso é decorrência direta da postulação de conhecimento tácito, biológico, de cunho lingüístico, independente dos fatores ambientais, culturais, psicológicos ou histórico-sociais determinantes da aquisição da língua materna. O uso da linguagem foge à alçada da teoria lingüística. (SCARPA, 2001: 208)
O lingüista deixa de lado deliberadamente todos os fatores que não são lingüísticos e que constituem o desempenho: motivação, interesse, limitações de atenção e memória, crenças, atitudes emocionais, mecanismos de ordem fisiológica e psicológica etc (PETTER, 2002: 14). Isso não é da teoria lingüística. Mesmo sendo pertinentes ao desempenho, esses fatores não são importantes para a formulação de declarações gerais sobre a linguagem. (LYONS, 1982).

O desempenho pressupõe a competência, ao passo que a competência não pressupõe o desempenho. (PETTER, 2002: 14).

Você deve estar se lembrando neste momento da distinção entre “língua” e “fala” de Saussure e de um dos motivos que leva a língua a ser estabelecida como prioridade em relação à fala nos estudos lingüísticos.

A competência lingüística (ressalto: “lingüística”) é o conhecimento do sistema lingüístico que o falante possui e que lhe permite produzir o conjunto de sentenças de sua língua. É o resultado da aplicação de sua capacidade, ou dispositivo inato, sobre as sentenças que ouviu desde bebê. “A tarefa do lingüista é descrever a competência, que é puramente lingüística, subjacente ao desempenho”. (PETTER, 2002: 14)

“A língua – sistema lingüístico socializado – de Saussure aproxima a Lingüística da Sociologia ou da Psicologia Social; a competência – conhecimento lingüístico internalizado – aproxima a lingüística da Psicologia Cognitiva ou da Biologia” (PETTER, 2002: 14


Princípios e parâmetros

Como foi visto anteriormente, a teoria da linguagem de Chomsky iniciada em 1957 passou por uma série de reformulações que resultaram no atual programa de Princípios e Parâmetros. Na fase inicial da teoria, o conhecimento lingüístico consistia de um conjunto de regras de diferentes naturezas. No programa de Princípios e Parâmetros, as regras são efeitos de Princípios universais e Parâmetros de variação, os quais também formam a base para uma teoria da aquisição (KATO, 1997).
Ao tratar desse assunto, Kato (op.cit.: 7) formula uma questão bastante interessante: “Mas se crianças de diferentes povos aprendem línguas diferentes, por que não se pode dizer que a criança aprende sua língua dependendo exclusivamente do ´input` do ambiente”? para a qual responde:

Para Chomsky, sem uma estrutura interna, um organismo não interage com o ambiente. A estrutura interna na espécie humana é invariante e é responsável não só pelas propriedades invariantes das línguas, mas também pelas variações possíveis. As línguas variam, mas a variação é restrita, porque dependem de um número limitado de Parâmetros já programados geneticamente (...)”.(KATO, 1997: 7)

Ao ter contato com o input a criança acionará o parâmetro que está de acordo com a língua que está ouvindo. Os parâmetros são, portanto particulares de cada língua. Os princípios são universais. Cabe ao lingüista descobrir quais são os princípios universais – a GU ou gramática universal, e os parâmetros particulares de cada língua. Quando concluir essa tarefa terá conhecido a capacidade lingüística inata do falante, devidamente registrada em sua genética.

O modelo de análise gerativista: explicativo (dar conta da competência)

A lingüística foi definida como uma ciência descritiva e explicativa. O estruturalismo foi visto como um modelo de análise descritivo, pois entendia que da descrição do sistema lingüístico – a língua – chega-se à compreensão de seu funcionamento, chega-se à explicação de seu funcionamento.
Para Chomsky, e os adeptos do gerativismo, este modelo de análise preenche uma das condições da teoria da linguagem humana, a adequação descritiva (CHOMSKY, 1997). A gramática construída pelo lingüista ao descrever uma língua particular, ao constituir uma descrição das propriedades da língua, descreve aquilo que o falante sabe. É necessário preencher outra condição: a adequação explicativa. “Um fenômeno só pode ser explicado quando pode ser deduzido de leis mais gerais.” (PETTER, 2002:22)
A adequação explicativa, na forma como a gramática gerativa foi apresentada inicialmente, consistia de uma gramática descrita pelo lingüista que desse conta das frases produzidas e potencialmente
produzidas. Na Teoria dos Princípios e Parâmetros trata-se de construir uma teoria da linguagem que mostre “como cada língua particular pode ser derivada de um estado inicial uniforme” (CHOMSKY, 1997). Esse estado inicial uniforme são os princípios (universais), os parâmetros são as configurações assumidas pelas línguas a partir daquele estado inicial. A estrutura das línguas é uniforme e invariante – dada pelos princípios; por parâmetros entendem-se tudo que as torna sistemas particulares.

Os limites de análise do gerativismo: estudo da competência (exclui do escopo de análise o falante – limites da performance, e o contexto sócio-cultural)

O gerativismo é um modelo teórico bastante influente que transcendeu as fronteiras da lingüística, surtindo seus efeitos em outras ciências. Apesar disso, está sujeito a críticas assim como outras teorias lingüísticas e assim como ocorre em outras ciências. É da crítica, revisão e contestação de conceitos e trabalhos anteriores que as ciências se desenvolvem.
As chamadas teorias do texto fundamentam muitas de suas teses em contra-argumentos à teoria gerativista.
Uma das questões que se destaca diz respeito ao fato de o gerativismo tratar de um falante-ouvinte ideal pertencente a uma comunidade lingüística homogênea. Isso porque tem por objetivo descrever a capacidade lingüística, deixando de lado, deliberadamente, o desempenho, pois este último está sujeito à interferência de fatores não lingüísticos. Em conseqüência, o falante e, obviamente, o ouvinte, estão de fora da análise. Um falante e um ouvinte jamais vistos como interlocutores.
A sociolingüística, por exemplo, rompe com o gerativismo ao observar os falantes em situações de uso real, constatando e salientando não só a imensa heterogeneidade dos sistemas lingüísticos, como a imensa variação decorrente dos interlocutores e das situações em que estão inseridos.
No que diz respeito à aquisição de linguagem, os estudos fundamentados no gerativismo sofreram críticas de outras teorias, o chamado cognitivismo, apoiado na teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, o sócio interacionismo, apoiado em Vygotsky etc.


Referências:

CHOMSKY, N. Novos Horizontes no Estudo da Linguagem. ”. In: DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. vol.13, n. especial, São Paulo: PUCSP/LAEL. Aug. 1997

KATO, M. A. Teoria Sintática: de uma perspectiva de" -ismos" para uma perspectiva de "Programas”. In: DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. vol.13, n.2, São Paulo: PUCSP/LAEL. Aug.
 1997

Aula Professora Bruna, 08-05-2012

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