sábado, 1 de setembro de 2012

Figuras de construção


É por meio da sintaxe que quem fala ou escreve escolhe entre os tipos de frase, de acordo com as regras gramaticais, mas esse processo não está relacionado apenas ao domínio gramatical mas também ao domínio estilístico.
A frase veicula valores expressivos em potencial nas palavras, que adquirem seu sentido explicitado e o seu tom particular – neutro ou afetivo. À Estilística interessa tanto a combinação das regras estabelecidas pela norma gramatical quanto os desvios dela que constituem traços originais e expressivos.
Como unidade de comunicação, a frase exprime um sentido, encerra um conteúdo, que corresponde à sua função. Daí a classificação em: declarativa (em que o emissor exprime um fato que a seu juízo é verdadeiro ou falso; marcada por entonação descendente que corresponde ao ponto final), exclamativa (que realiza a função emotiva, em que o falante deixa transparecer sentimentos variados, com entonação ascendente), imperativa (que realiza a função apelativa, em que o falante exprime um fato desejável ou indesejável numa ordem, num pedido, numa súplica), interrogativa (é simultaneamente emotiva e apelativa, de entonação variável conforme tenha ou não palavra interrogativa).
Denomina-se, geralmente, oração a frase de estrutura binária (sujeito + predicado). Portanto, a frase pode ou não ser oração, ser completa e incompleta, explícita e implícita. O mais comum, porém, é que um discurso se constitua de mais de uma frase, havendo entre elas elementos de coesão como conjunções, vocábulos anafóricos, elipse, vocábulos repetidos, sinônimos ou pertencentes a um mesmo campo de significação.
O adjetivo predicativo do sujeito alterna frequentemente com o advérbio, tirando os estilistas proveito dessa dupla possibilidade.
É o que se vê no exemplo selecionado por Martins (2000:136):
“A neve caía, levemente.”
“A neve ia caindo direta e vaga....”
“A neve caía desfeita e branca.”
“A neve caía, contínua, silenciosa.”
(Prosas bárbaras, em Obras de Eça de Queiroz, p. 569-75)
Há também a possibilidade de haver ou não uma pausa entre o sujeito e o verbo dos vários tipos de frase. Isso quer dizer que a ligação entre os dois elementos da frase pode apresentar graus, variando a estrutura rítmica.
Exemplo:
O menino brincava.
O menino, brincava. / O menino, ele brincava.
A segmentação é, freqüentemente, acompanhada de uma inversão e de um pleonasmo: “Ele é interessante, esse livro.” Esse procedimento é eminentemente expressivo, em que ambas partes ganham relevo e é usual na língua falada. Qualquer termo, além do sujeito, pode ser destacado na oração, tornando-se tema do enunciado.
Outro recurso sintático é a elipse: brevidade da expressão resultante de alguma coisa que sedeixou de dizer, ou por se ter dito em outra frase, oração ou sintagma, ou por outra razão de ordem afetiva ou estética.
Exemplos:
“ Os mangues da outra margem jogam folhas vermelhas na corrente. Descem como canoinhas. Param um momento ali naquele remanso.” (Sag.p. 192)
A elipse de palavras gramaticais é a que geralmente ocorre, visto que a relação ou determinação que elas exprimem é dedutível da própria significação dos termos expressos. Exemplos.:
Mulher perguntou se ele queria beber gol, se doente estava” (Noites... p. 20)
“ Ali mesmo, para cima do curral, vez pegaram um tatu peba.” ( Manuelzão..., p. 139)
“Tenho tempo hoje não, moça.” (Noites... p. 19)
“Aquele silêncio, que pior que uma alarida.” (G. sertão p. 207)
Denomina-se Pleonasmo o que se considera redundância pelo fato de uma informação ser transmitida por uma quantidade de signos lingüísticos superior ao essencialmente necessário. Ocorre em todos os níveis da linguagem (fônico, semântico, morfossintático). A noção de grau normal de redundância da língua faz parte da competência dos usuários. Sentimos a sua redução na elipse e o seu aumento no pleonasmo.
Segundo Bally, pleonasmo gramatical é a redundância normal da língua (marca de plura, por exemplo). Já o pleonasmo vicioso é o que se deve à ignorância do significado exato ou da etimologia das palavras (do tipo hemorragia de sangue, decapitar a cabeça etc.). É expressivo o pleonasmo que enfatiza as idéias transmitidas.
Exemplos:
“Todos nus e da cor da escura treva.”
(Camões, Lus. V. 30; ap. C. Brandão)
“Deus, esse, minha rica, está longe.” (Eça , Primo Basílio; ap. Guerra da Cal p. 2070)
“... estavam sem saber como voltar para suas casinhas deles.” (Manuelzão... p. 18)
Se o termo que inicia a frase fica sem função sintática própria, servindo apenas como co-referente de um pronome mais ou menos próximo, temos a quebra de construção a que se dá o nome de anacoluto.
Exemplo: “ Eu, que era branca e linda, eis-me medonha e escura.”
(Poesia completa e prosa, p.126)
Certas partículas destituídas de valor nocional e sintático, mas portadoras de valor expressivo, são comumente chamadas de realce ou espontaneidade, ou ainda expletivas.
Exemplos:
“ - E vocês também não me voltem mortos. Quero-os bem vivinhos e perfeitos.” (M. Lobato. O Minotauro, em Obras completas, p. 84)
“Vocês são brancos, se entendam.” (frase feita)
Assim como os termos da oração, as orações que entram numa frase também apresentam maior ou menor grau de dependência e coesão.
A relação entre as orações pode ser estabelecida sem dependência uma da outra. É o que se denomina coordenação. Esta pode ser feita com ou sem o elemento de ligação, o nexo ou conjunção.
A construção assindética é mais comum na língua oral, tem um tom mais espontâneo, menor rigor lógico; é mais ágil, sugere a simultaneidade ou rápida sequência dos fatos. Esse tipo de construção é apreciada por Graciliano Ramos.
No caso da coordenação sindética, a coesão entre as orações é reforçada por um nexo – a conjunção coordenativa. A conjunção mais freqüente é e, cujo valor fundamental é reunir fatos que se acrescentam (aditiva),mas pode estabelecer várias outras relações que se apreendem pela própria significação das orações.
É o que ocorre nos versos :
“E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanto felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais”
(Valsinha de Chico Buarque e Vinícius de Moraes)
De cunho estilístico, a ausência de conjunção denomina-se assíndeto e a repetição a partir da segunda oração, polissíndeto (construção enfática, visto que destaca cada uma das orações).
Quando há subordinação entre as orações, há uma relação de dependência ou regência e a oração subordinada equivale a um substantivo, adjetivo ou advérbio que tem valor de termo subordinante.
Há escritores que preferem períodos mais curtos, outros períodos mais longos, dependendo do gosto pessoal, do estilo da época ou do gênero de composição do texto. A epopéia, por exemplo, caracteriza-se por ser constituída de períodos longos em que se encadeiam enumerações, além de ser rica de modulações, atendendo à grandiosidade desse estilo.
Já em textos do tipo crônica ou em outros de cunho didático, o período breve está mais de acordo com a simplicidade, com a espontaneidade das manifestações emotivas ou com a vivacidade dos diálogos, bem como o tom despretensioso.

As alterações da ordem direta:
As alterações da ordem “direta” receberam da retórica as denominações de hipérbato, anástrofe, sínquise, prolepse. Como não coincide e nem é satisfatória a distinção entre umas e outras, é preferível ficar apenas com a denominação genérica de inversão. Esse processo rompe a monotonia da ordem usual, podendo favorecer um ritmo mais adequado ou propiciar um tom mais elegante; na poesia, pode atender à imposição da métrica ou da rima, além da intenção de ênfase.
Bally distingue a inversão afetiva da linguagem comum – um realce dado ao tema da frase - que é espontânea, natural, da inversão retórica, usada na poesia mais pomposa.
São inversões de caráter afetivo, não estético, construções como:
É um encanto essa criança.
Dinheiro eu não tenho.
Como exemplo de inversão artificial, própria da linguagem poética, mais elaborada, podem servir estes versos de Gonçalves Dias, que não chegam, entretanto, a ser obscuros:
“ O que nos resta pois? – Resta a saudade,
Que dos passados dias
De mágoas e alegrias
Bálsamo santo extrai consolador”
(Novos cantos, em Obras poéticas, t. 1. p. 33)
Concordância
Há dois tipos de concordância: a lógico-gramatical, estabelecida pela gramática normativa, e a estilística, que ultrapassa os limites da correção, a que atende a necessidades expressionais particulares, a que oferece a quem fala ou escreve possibilidades de escolha.
A concordância estilística pode ser:
Concordância por atração: ocorre quando o adjetivo e o verbo concordam com um termo mais próximo e de maior importância no contexto e no espírito de quem fala ou escreve e não com o termo que logicamente lhes determinaria as flexões
Ex.: “Vi um casal de noivos, na flor da vida, que se debatiam já com a morte; deu-lhes a tábua de salvação e mergulhou na eternidade.” (M. de Assis)
Concordância ideológica (ad sensum, sínese, sliepse) : as flexões assumidas pelo verbo ou pelo adjetivo não são compatíveis com os termos presentes na frase aos quais eles se prendem gramaticalmente, mas com a idéia que eles despertam na mente de quem fala ou escreve.
Ex.: “Consultemos o coração aqueles que o tivermos.” (Camilo C. Branco)
Concordância afetiva: a que se deve ao influxo da emoção.
Ex.:”-Sim, e agora ando bom. E tu, meu Luís, como vamos de saúde?” (A . Garret).
Esse conteúdo pode ser visto na obra indicada na bibliografia básica:

MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à Estilística: A expressividade na Língua Portuguesa. 4 ed. São Paulo: EDUSP, 2008.
Figuras de sintaxe
As figuras de sintaxe ou de construção estão relacionadas a desvios em relação à concordância entre os termos da oração, sua ordem, possíveis repetições ou omissões , ou seja, elas estão ligadas à organização sintática no texto.
As figuras de sintaxe podem ser construídas por:
1. omissão: assíndeto, elipse e zeugma;
2. repetição: anáfora, pleonasmo e polissíndeto;
3. inversão: anástrofe, hipérbato, sínquise e hipálage;
4. ruptura: anacoluto;
5. concordância ideológica: silepse.
Assíndeto
Ocorre assíndeto quando orações ou palavras que deveriam vir ligadas por conjunções coordenativas (ou síndetos) aparecem justapostas ou separadas por vírgulas. Daí a classificação em “assíndeto” = sem síndeto.
Exemplos:
“Fere, mata, derriba denodado...” (Camões)
“Não nos movemos, as mãos é que se estenderam pouco a pouco, todas quatro, pegando-se, apartando-se, fundindo-se.” (Machado de Assis)
Elipse
Ocorre elipse quando se omite um termo ou oração que facilmente pode ser identificado ou subentendido no contexto.
Exemplo:
“Veio sem pinturas, em vestido leve, sandálias coloridas.” (Rubem Braga)
Houve elipse do pronome ela (Ela veio) e da preposição de (de sandálias).
Zeugma
Ocorre zeugma quando um termo já expresso na frase é suprimido, ficando subentendida sua repetição.
Exemplo:
“Foi saqueada a vila, e assassinados os partidários dos Filipes.” (Camilo Castelo Branco)
Houve zeugma do verbo: “e foram assassinados os partidários dos Filipes”
Anáfora
Ocorre anáfora quando há repetição intencional de palavras no início de um período, frase ou verso.
Exemplo:
“Grande no pensamento, grande na ação, grande na glória, grande no infortúnio, ele morreu desconhecido e só.” (Rocha Lima)
O termo “grande” é utilizado anaforicamente.
Pleonasmo
O pleonasmo ocorre quando há repetição da mesma ideia, isto é, redundância de significado. Estilisticamente, denomina-se pleonasmo e constitui figura de linguagem quando se encontra em texto literário. Já em texto comum é um vício de linguagem.
Exemplos:
a) Pleonasmo literário
“Morrerás morte vil na mão de um forte.” (Gonçalves Dias)
b) Pleonasmo vicioso
subir para cima;hemorragia de sangue ; entrar para dentro monopólio exclusivo; repetir de novo breve alocução; ouvir com os ouvidos principal protagonista
Polissíndeto
Ocorre polissíndeto quando há repetição enfática de uma conjunção coordenativa mais vezes do que exige a norma gramatical (geralmente a conjunção e ).
“Vão chegando as burguesinhas pobres,
e as criadas das burguesinhas ricas
e as mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza.”
(Manuel Bandeira)
Anástrofe
Ocorre anástrofe quando há uma simples inversão de palavras vizinhas (determinante x determinado).
Exemplo:
“Começa o Mundo, enfim, pela ignorância.” (Gregório de Matos)
O mundo começa....
Hipérbato
Ocorre hipérbato quando há uma inversão complexa de membros da frase.
“Passeiam, à tarde, as belas na Avenida.” (Carlos Drummond de Andrade)
As belas passeiam na Avenida à tarde.
Hipálage
Quando há inversão da posição do adjetivo (uma qualidade que pertence a um objeto é atribuída a outro, na mesma frase), ocorre hipálage.
Exemplo:
“... em cada olho um grito castanho de ódio.” (Dálton Trevisan)
...em cada olho castanho um grito de ódio..
Anacoluto
Ocorre anacoluto quando há interrupção do plano sintático com que se inicia a frase, alterando-lhe a sequência lógica. Nesse tipo de construção, um ou mais termos fica(m) desprendido(s) dos demais e sem função sintática definida.
Exemplos:
“Essas empregadas de hoje, não se pode confiar nelas” (Alcântara Machado)
“Umas carabinas que guardava atrás do guarda-roupa, a gente brincava com elas de tão imprestáveis.” (José Lins do Rego)
Silepse
A silepse está relacionada à sintaxe de concordância e ocorre quando a concordância não é feita com as palavras, mas com a ideia a elas associada.
a) Silepse de gênero
Ocorre quando há discordância entre os gêneros gramaticais (feminino ou masculino)
Exemplos:
“O animal é tão bacana
mas também não é nenhum banana.” (Enriques, Bardotti e Chico Buarque)
“Admitindo a idéia de que eu fosse capaz de semelhante vilania, Sua Majestade foi cruelmente injusto para comigo” (Alexandre Herculano)
b) Silepse de número
Ocorre quando há discordância envolvendo o número gramatical (singular ou plural).
Exemplos:
“Esta gente está furiosa e com medo; por conseqüência, capazes de tudo.” (Garret)
“Corria gente de todos lados, e gritavam.” (Mário Barreto)
c) Silepse de pessoa
Ocorre quando há discordância entre o sujeito expresso e a pessoa verbal.
Exemplos:
“A gente não sabemos escolher presidente
A gente não sabemos tomar conta da gente.”
(Roger Rocha Moreira) 

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