Maria Lucia Mexias Simon
As formas lingüísticas são símbolos e valem pelo que significam. São ruídos bucais , mas ruídos significantes . É a constante referência mental de uma forma a determinado significado que a eleva a elemento de uma língua . Não há nenhuma relação entre o semantema (ou lexema ou morfema lexical – unidade léxica , que compõe o léxico ) cão e um certo animal doméstico a não ser o uso que se faz desse semantema para referir-se a esse animal . Cada língua “recorta” o mundo objetivo a seu modo , o que Humboldt chama “visão do mundo ”. Registre-se a existência da linguagem figurada , a metáfora , uso de uma palavra por outra , subjazendo à segunda a significação da primeira . Há que se levar em conta a denotação (significado mais restrito) e a conotação (halo de emoção envolvendo o semantema – casa / lar ).
O estudo dos semantemas é difícil , pois são em número infinito e sua significação fluída, sujeita às variações sincrônica, sintópica etc. A polissemia faz da significação dos semantemas um conglomerado de elementos e não um elemento único : ele anda a passos largos / anda de carro / anda doente . Quanto à significação interna dos morfemas , (ou gramema ou morfema gramatical ) ela se distribui nas categorias gramaticais que enquadram um dado semantema numa gama de categoria – gênero , número etc – para maior economia da linguagem .
Os elementos lexicais que fazem parte do acervo do falante de uma língua podem ser :
– simples – cavalo
– compostos – cavalo-marinho
– complexos – a olhos vistos , briga de foice no escuro (são sintagmáticos)
– textuais – orações , pragas , hinos (são pragmáticos , não entram nos dicionários de língua , a não ser por comodidade . O conceito de gato não está contido em "à noite todos os gatos são pardos ”)
Nas alterações sofridas nas relações entre as palavras estão as chamadas figuras de retórica clássica :
1) Metáfora – comparação abreviada
2) Metonímia – transferência do nome de um objeto a outro , com o qual guarda alguma relação de:
– autor pela obra – Ler Machado de Assis
– agente pelo objeto – Comprar um Portinari
– causa pelo efeito – Viver do seu trabalho
– continente pelo conteúdo – Comeu dois pratos
– local pelo produto – Fumar um havana
etc
3) Sinédoque (para alguns é caso de metonímia )
– parte pelo todo – Completar 15 primaveras
– singular pelo plural – O português chegou à América em 1500
4) Catacrese – extensão do sentido de uma palavra a objetos ou ações que não possuem denominação própria – embarcar no ônibus ; o pé da mesa
No levantamento da tipologia das relações entre as palavras assinalam-se ainda os fenômenos da sinonímia , antonímia , homonímia , polissemia e hiponímia. Os sinônimos se dizem completos , quando são intercambiáveis no contexto em questão . São perfeitos quando intercambiáveis em todos os contextos , o que é muito raro , a não ser em termos técnicos .
Cumpre distinguir homonímia de polissemia, o que nem sempre é fácil . A distinção pode ser :
– descritiva – considerando ser a palavra um feixe de semas, se entre duas palavras com a mesma forma , houver um sema comum , diz-se ser um caso de polissemia (Ex: coroa – adorno para a cabeça ou trabalho dentário). Em caso contrário , será homonímia (Ex pena – sofrimento ou revestimento do corpo das aves ) .
– diacrônica – se as palavras provém do mesmo léxico , diz-se ocorrer um caso de polissemia;(Ex: cabo – acidente geográfico e fim de alguma coisa ) No contrário , ocorrerá um caso de convergência de formas (Ex: canto – verbo cantar e ângulo ).
O estudo da homonímia e da polissemia envolve, portanto , o problema de significação, principalmente universal , e de significação, marginalmente ocasional . Quando a mesma forma fônica cobre significações diferentes , embora correlatas, tem-se a polissemia; quando cobre significações completamente diferentes , tem-se a homonímia . A polissemia envolve matizes emocionais , é determinada pelo contexto ; constitui, às vezes , linguagem figurada e linguagem literária . A tarefa do ouvinte é fazer uma seleção entre as significações alternativas , por meio do contexto em que se acha o signo . Diz-se serem os homônimos lexemas iguais e palavras diferentes , isto é, com conteúdo semântico diferente . Como os lexemas também podem se apresentar com mais de uma forma , a descrição de homonímia precisa ser refinada para se distinguir homonímia parcial de homonímia total , considerando-se aqui a não coincidência entre língua escrita e falada .
As relações hiponímicas provêm do fato de um termo ser mais abrangente que outro : (Ex: flor > rosa , orquídea etc)
– interpretações analógicas – (Ex: mamão ).
– transferência do adjetivo ao substantivo – (Ex: pêssego , burro ).
– adaptação de palavras estrangeiras – (Ex: forró ).
Na evolução semântica , as palavras ganham conotação pejorativa (tratante – que faz um trato ), ou valorativa (ministro – que serve os alimentos ); ampliam o significado (trabalho – instrumento de tortura ), ou restringem (anjo – mensageiro ).
As siglas são outra fonte do léxico , dando até palavras derivadas (CLT → celetista).
O signo lingüístico quebra a convencionalidade no caso da derivação , que é um caso de motivação intra-lingüística e se prende à semântica gramatical (caju → cajueiro ; pena de ave Õpena de caneta ) e no caso das onomatopéias (sibilar ). Há estudiosos defendendo a idéia de que , originalmente , seria tudo onomatopéia .
As onomatopéias são iconográficas; na poesia exploram-se as virtualidades da representação natural . (“Um fino apito estrídulo sibila / rangem as rodas num arranco perro” O trem de ferro – Batista Rebelo)
Na chamada linguagem figurada há várias ocorrências : elipse (bife com fritas); similaridade (chapéu-coco ); sinestesia (cor berrante ); contigüidade (beber Champanhe ); perda de motivação (átomo ); eufemismo (vida-fácil). Por vezes , o eufemismo provém de um tabu lingüístico mal dos peitos , doença ruim , malino < maligno etc. Esses fenômenos são grupais, acabam por convencionalizar-se.
As significações lingüísticas consideram a significação interna ou gramatical referente aos morfemas e a semântica externa ou lexical , isto é, objetiva , referente aos semantemas. Pode ser diacrônica ou descritiva (como as línguas interpretam o mundo ). A significação interna , como já se disse, distribui-se pelas categorias gramaticais para maior economia e eficiência da linguagem . A estrutura sintagmática é também relevante para o significado , donde poder-se falar em significado gramatical ; esse depende da regência , da colocação e, até , de fatores como pausa , entonação que , na linguagem escrita são assinaladas, tanto quanto possível , pela pontuação . O significado da sentença não é portanto a soma do significado dos seus elementos lexicais , muito embora a relevância do significado de cada um deles.
O significado de uma sentença depende, portanto , do Significado dos seus lexemas constituintes e o Significado de alguns lexemas dependerá, por sua vez , da sentença em que aparece. Mas a estrutura da sentença é relevante para a determinação do Significado . Devemos, por conseguinte , considerar o Significado gramatical como componente para o Significado da sentença . Já o Significado do enunciado envolve o Significado de sentença , mas não se esgota nele. Depende de fatores contextuais . Há teorias afirmando que o Significado do enunciado extrapola a lingüística constituindo a pragmática .
É preciso considerar que as línguas possuem variadas funções . As proposições podem ser declarativas, imperativas, ou imperativas. As declarativas podem ser afirmativas ou negativas (falsas ou verdadeiras). Há, então , uma grande divisão entre Significado descritivo e não-descritivo. (Ex. João levanta tarde (! ? ...) dependendo da entonação , será uma informação ou uma exteriorização de sentimentos ). No significado não-descritivo inclui-se o significado social , quando este visa a manter ou estabelecer papéis sociais . Numa visão mais ampla podemos aí incluir das formas ritualizadas (cumprimentos , brindes etc) até os enunciados científicos que tem por objetivo fazer adeptos e influenciar comportamentos . O que é dito e o modo de dizer dependem das relações sociais entre os interlocutores . Quanto aos lexemas, há que se considerar que eles tanto transportam conteúdo sêmico (do Significado ), quanto informações gramaticais expressas nas desinências e nos determinantes e nas funções que expressam na sentença . Há informações portanto , mórficas e sintáticas, apontadas já no dicionário . (p. ex. subst. fem., v. trans. etc).
O conceito de semântica gramatical se torna claro ao compararmos: O menino mordeu o cachorro / O cachorro mordeu o menino . Há também , a considerar , as variações estilísticas : o emprego do condicional é mais gentil que o presente do indicativo .
Consideremos, ainda , o fato de existirem, nas línguas naturais , sentenças com :
– pressuposição – Quanto tempo ele ficou em Brasília? – supõe: Ele foi a Brasília.
– implicação – Muitos estudantes não foram capazes de responder à pergunta . – implica: – Só alguns estudantes responderam.
A compreensão dos significados das sentenças envolve os elementos lexicais isolados e o modo como eles se relacionam. A análise do significado das palavras requer o uso de regras semânticas . Menino implica macho , jovem , humano : são os traços pertinentes ou componentes semânticos , que se apontam na análise componencial. O significado da palavra é um complexo de componentes semânticos ligados por constantes lógicas . X bate em Y – implica – Y apanha de X; Caso Paulo venha, Pedro partirá. – implica – Caso Paulo não venha, Pedro não partirá. Pedro continua a beber – pressupõe – Pedro bebia antes . A pressuposição com a frase negativa continua a mesma : Pedro não toma bebida alcoólica – pressupõe – Pedro não gosta , ou está proibido pelo médico , ou por autoridade religiosa , de tomar bebida alcoólica .
Intencionalidade | |
Aceitabilidade | |
Intertextualidade | Informatividade |
Situacionalidade |
A essa superposição de falas dá-se o nome de polifonia . O locutor dá voz a um ou vários enunciadores, cujos discursos ele difunde, organizando-os e não deixando de manifestar a própria posição . Se o enunciador não é reconhecido pelo ouvinte (caso das citações muito repetidas – “Penso , logo existo”) esse fato não impede a comunicação , logo não impede o sucesso do ato de fala .
O mesmo se pode dizer da ironia , da hipérbole , que , mesmo quando não de imediato percebidas, de alguma forma atingem os objetivos do falante .
– Você pode me emprestar a caneta ? – por – Empreste-me a caneta .
– Não está um pouco tarde ? Não vá perder seu ônibus (para a visita ) – por – Você está me cansando com sua permanência .
– Diga boa-noite a seus irmãozinhos. (a mãe para o filho de poucas semanas ) – por – Vão se deitar . (para os filhos mais velhos ).
A Pragmática é observável em todos os contextos . Porém , em algumas situações , torna-se mais evidente o trato da linguagem como instrumento de manipulação . É o que acontece nos discursos político , pedagógico , religioso e até no discurso amoroso . Em todos esses casos , há uma base afirmativa que , manipulada , serve aos objetivos do emissor . A diferença está no grau de consciência quanto aos recursos utilizados para o convencimento . A linguagem publicitária prima na utilização desses recursos para mudar ou manter a opinião do público-alvo.
Fazer-agir: Beba Coca-Cola!
Fazer-crer; Só Omo lava mais branco !
Fazer-buscar prazer : Se um desconhecido oferecer flores , isto é Impulse!
A mensagem publicitária , utilizando a moderna tecnologia , promete, abundância , progresso , lazer , beleza , juventude . Ao contrário das catástrofes noticiadas nos jornais , a publicidade fala de um mundo bonito e prazeroso . Esse prazer está associado ao uso de determinado objeto , criando a linguagem da marca , o ícone do produto . Possuir certos objetos passa a ser sinônimo de felicidade . Se na linguagem do cotidiano muito pouco se usam as ordens , preferindo formas eufemísticas (faça o favor de entrar ), a publicidade pode ser mais direta : – Abuse e use C & A!.
A publicidade diz e, também , sugere sem dizer explicitamente. Usa recursos estilísticos:
1) Fonéticos : onomatopéias , aliterações etc.
2) Léxico-semânticos: criação de termos novos , novos significados , clichês , duplo sentido etc.
3) Morfossintáticos: grafias inusitadas, flexões novas , sintaxe não linear etc.
– A Ericsson fez um telefone com tudo em cima !
– Diet-Coke traz o prazer de viver em forma !
– Ainda não inventaram um passe bem melhor que passe bem .[2]
O discurso publicitário cumpre seu papel por três vias :
1– psicológica – a eficácia do jogo de palavras resulta do fato de que esse jogo causa prazer , quando de sua decifração; é erótico , no sentido psicanalítico do termo ;
2– antropológica – parte da proclamação de que o consumidor é irracional ; reaviva arquétipos , ocultos, mas fundamentais ;
3– sociológica – não se dirigindo a ninguém em particular , passa a impressão de que se dirige a cada um de nós , identificando-nos como membros de uma polis;
No domínio dessa linguagem , parece dizer-se sempre uma só coisa , utilizando-se o já utilizado, vendendo ilusão para vender produtos e serviços .
De tudo , parece válido concluir ser a linguagem uma variável com participação fundamental nos processos de convivência com a realidade física e social , além de sua importância na maneira de organizar as idéias sobre a realidade que nos rodeia . Sendo assim , a linguagem nunca se esgota em simples instrumento de referência ao mundo externo . Ao falarmos, manifestamos a nossa perspectiva , nossa avaliação do conteúdo do dito . Essa posição é resultado da soma de nossas experiências , de nossa própria ideologia , desaguando num discurso que , de modo algum pode ser simples e objetiva descrição da realidade . Todo discurso quer converter a uma ideologia e essa ideologia será, evidentemente , a ideologia do falante . Uma linguagem que vise, apenas , a reproduzir as próprias coisas esgota seu poder de informação a dados de fatos . Uma forma de expressão , se é produtiva , deve conter não só informações , como levantar procuras . O mesmo se pode dizer das artes visuais . Mesmo quando se dizem meramente representativas, na verdade , nunca o são . Sempre haverá a dimensão criativa .
A linguagem apenas prolonga a percepção e essa percepção sempre se mostrará dotada de uma dimensão produtiva .
AUSTIN, J. L. Quand dire c’est faire. Paris: Seuil, 1970.
GNERRE, Maurizio. Linguagem , escrita e poder . São Paulo: Martins Fontes , 1994.
GUIRAUD, Pierre. La semantique. Paris: Seuil, 1955.
ILARI et alii. Semântica . São Paulo: Ática, 1992.
LYONS, John. Linguagem e lingüística . Rio de Janeiro : Zahar, 1982
ORLANDI, Eni P. A linguagem e seu funcionamento . São Paulo: Brasiliense , 1993.
PENNA, Antonio G. Comunicação e linguagem . Rio de Janeiro : Eldorado , 1986.
RECTOR, Mônica, YUNES, Eliana. Manual de semântica . Rio de Janeiro : Ao Livro Técnico , 1980
SCHAF, Adam. Introdução à semântica . Rio de Janeiro : Civilização Brasileira , 1968.
Fonte:http://www.filologia.org.br/viisenefil/10.htm
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