Introdução
A
França desenvolveu seu pensamento social sob influência da filosofia positivista.
Como potência emergente nos séculos XVII e XVIII foi, com a Inglaterra, a sede
do desenvolvimento industrial e da sedimentação do pensamento burguês. O
desenvolvimento da indústria e a expansão marítima e comercial colocaram esses
países em contato com outras culturas e outras sociedades, obrigando seus
pensadores a um esforço interpretativo da diversidade social. O sucesso
alcançado pelas ciências físicas e biológicas, impulsionadas pela indústria e
pelo desenvolvimento tecnológico, fizeram com que as primeiras escolas
sociológicas fossem fortemente influenciadas pela adaptação dos princípios e da
metodologia dessas ciências à realidade social.
Na
Alemanha, entretanto, a realidade é distinta. O pensamento burguês se organiza
tardiamente e quando o faz, já no século XIX, é sob influência de outras
correntes filosóficas e da sistematização de outras ciências humanas, como a
história e a antropologia.
A
expansão econômica alemã se dá, por outro lado, numa época de capitalismo concorrencial,
no qual os países disputam com unhas e dentes os mercados mundiais, submetendo
a seu imperialismo as mais diferentes culturas, o que toma a especificidade das
formações sociais uma evidência e um conceito da maior importância.
AAlemanha
se unifica e se organiza como Estado nacional mais tardiamente que o conjunto
das nações européias, o que atrasou seu ingresso na corrida industrial e
imperialista da segunda metade do século XIX. Esse descompasso em relação às
grandes potências vizinhas fez elevar no país o interesse pela história como
ciência da integração, da memória e do nacionalismo.
Por
tudo isso, o pensamento alemão se volta para a diversidade, enquanto o francês
e o inglês, para a universalidade. Devemos distinguir no pensamento alemão,
portanto, a preocupação com o estudo da diferença, característica de sua
formação política e de seu desenvolvimento econômico. Acresce a isso a herança
puritana com seu apego à interpretação das escrituras e livros sagrados. Essa
associação entre história, esforço interpretativo e facilidade em discemir
diversidades caracterizou o pensamento alemão e quase todos seus cientistas,
desde Gabriel Tarde e Ferdinand Tõnnies.
Mas foi Max Weber o grande
sistematizador da sociologia na Alemanha. o contraste entre o positivismo e o
idealismo se expressa, entre outros elementos, nas maneiras diferentes como
cada uma dessas correntes encara a história.
Para
o positivismo, a história é o processo universal de evolução da humanidade, cujos
estágios o cientista pode perceber pelo método comparativo, capaz de aproximar
sociedades humanas de todos os tempos e lugares. A história particular de cada
sociedade desaparece diluída nessa lei geral que os pensadores positivistas
tentaram reconstruir. Essa forma de pensar faz desaparecer as particularidades históricas,
e os indivíduos são dissolvidos em meio a forças sociais impositivas.
Ao
definir o que é uma espécie social, Durkheim, em uma nota de pé de página em
seu livro As regras do método sociológico, alerta para que não se
confunda uma espécie social com as fases históricas pelas quais ela passa. Diz
ele:
Uma
das diferenças existentes entre o positivismo e o idealismo é a importância que
o segundo dá à história.
"Desde
suas origens, passou a França por formas de civilização muito diferentes:
começou por ser agrícola, passou em seguida pelo artesanato e pelo pequeno
comércio, depois pela manufatura e, finalmente, chegou à grande indústria. Ora,
é impossível admitir que uma mesma individualidade coletiva possa mudar de
espécie três ou quatro vezes. Uma espécie deve definir-se por caracteres mais
constantes. O estado econômico tecnológico etc. apresenta fenômenos por demais
instáveis e complexos para fornecer a base para uma ClaSSificação" (p. 82)
Fica
claro que essa posição anula a importância dos processos históricos particulares,
valorizando apenas a lei da evolução, a generalização e a comparação entre
formações sociais. Weber, figura dominante na sociologia alemã, com formação
histórica consistente, se oporá a essa concepção. Para ele, a pesquisa
histórica é essencial para a compreensão das sociedades. Essa pesquisa, baseada
na coleta de documentos e no esforço interpretativo das fontes, permite o
entendimento das diferenças sociais, que seriam, para Weber, de gênese e
formação, e não de estágios de evolução.
Portanto,
segundo a perspectiva de Weber, o caráter particular e específico de cada
formação social e histórica contemporânea deve ser respeitado. O conhecimento
histórico, entendido como a busca de evidências, torna-se um poderoso
instrumento para o cientista social.
Weber
consegue combinar duas perspectivas: a histórica, que respeita as
particularidades de cada sociedade, e a sociológica, que ressalta os elementos
mais gerais de cada fase do processo histórico. Na obraAs causas sociais do
declínio da cultura antiga, por exemplo, Weber analisou, com base em textos
e documentos, as transformações da sociedade romana em função da utilização da
mão-de-obra escrava e do servo de gleba, mostrando a passagem da Antigüidade
para a sociedade medieval.
Weber,
entretanto, não achava que uma sucessão de fatos históricos fizesse sentido por
si mesma. Para ele, todo historiador trabalha com dados esparsos e
fragmentários. Por isso, propunha para esse trabalho o método compreensivo, isto
é, um esforço interpretativo do passado e de sua repercussão nas
características peculiares das sociedades contemporâneas. Essa atitude de
compreensão é que permite ao cientista atribuir aos fatos esparsos um sentido
social e histórico.
A ação social: uma ação com sentido
Cada
formação social adquiriu, para Weber, especificidade e importância próprias.
Mas o ponto de partida da sociologia de Weber não estava nas entidades
coletivas, grupos ou instituições. Seu objeto de investigação é a ação
social, a conduta humana dotada de sentido, isto é, de uma
justificativa subjetivamente elaborada. Assim, o homem passou a ter,
enquanto indivíduo, na teoria weberiana, significado e especificidade. É ele
que dá sentido à sua ação social: estabelece a conexão entre o motivo da ação,
a ação propriamente dita e seus efeitos.
Para
a sociologia positivista, a ordem social submete os indivíduos como força
exterior a eles. Para Weber, ao contrário, não existe oposição entre indivíduo
e sociedade: as normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam em
cada indivíduo sob a forma de motivação. Cada sujeito age levado por um motivo
que é dado pela tradição, por interesses racionais ou pela emotividade. O
motivo que transparece na ação social permite desvendar o seu sentido, que
é social na medida em que cada indivíduo age levando em conta a resposta ou a
reação de outros indivíduos.
A
tarefa do cientista é descobrir os possíveis sentidos das ações humanas presentes
na realidade social que lhe interesse estudar. O sentido, por um lado, é
expressão da motivação individual, formulado expressamente pelo agente ou
implícito em sua conduta.
O
caráter social da ação individual decorre, segundo Weber, da interdependência
dos indivíduos. Um ator age sempre em função de sua motivação e da consciência
de agir em relação a outros atores. Por outro lado, a ação social gera efeitos
sobre a realidade em que ocorre. Tais efeitos escapam ao controle e à previsão
do agente.
Ao
cientista compete captar, pois, o sentido produzido pelos diversos agentes em
todas as suas conseqüências. As conexões que o cientista estabelece entre
motivos e ações sociais revelam as diversas instâncias da ação socialpolíticas,
econômicas ou religiosas. O cientista pode, portanto, descobrir o nexo entre as
várias etapas em que se decompõe a ação social. Por exemplo, o simples fato de
enviar uma carta se decompõe em uma série de ações sociais com sentido -
escrever, selar, enviar e receber -, que terminam por realizar um objetivo. Por
outro lado, muitos agentes ou atores estão relacionados a essa ação social- o
atendente, o carteiro etc. Essa interdependência entre os sentidos das diversas
ações - mesmo que orientadas por motivos diversos – é que dá a esse conjunto de
ações seu caráter social.
É
o indivíduo que, por meio dos valores sociais e de sua motivação, produz o
sentido da ação social.lIsso não significa que cada sujeito possa prever com
certeza todas as conseqüências de determinada ação. Como dissemos, cabe ao
cientista perceber isso. Não significa também que a análise sociológica se
confunda com a análise psicológica. Por mais individual que seja o sentido da
minha ação, o fato de agir levando em consideração o outro dá um caráter social
a toda ação humana. Assim, o social só se manifesta em indivíduos,
expressando-se sob forma de motivação interna e pessoal.
Por
outro lado, Weber distingue a ação da relação social. Para que se
estabeleça uma relação social, é preciso que o sentido seja compartilhado. Por
exemplo, um sujeito que pede uma informação a outro estabelece uma ação social:
ele tem um motivo e age em relação a outro indivíduo, mas tal motivo não é
compartilhado. Numa sala de aula, onde o objetivo da ação dos vários sujeitos é
compartilhado, existe uma relação social. Pela freqüência com que certas ações
sociais se manifestam, o cientista pode conceber as tendências gerais que levam
os indivíduos, em dada sociedade, a agir de determinado modo.
A tarefa do cientista
A
tarefa do cientista, para Weber, era descobrir os possíveis sentidos da ação
humana. Weber rejeita a maioria das proposições positivistas: o evolucionismo, a
exterioridade do cientista social em relação ao objeto de estudo, ou seja, as
sociedades, e a recusa em aceitar a importância dos indivíduos e dos diferentes
momentos históricos na análise da sociedade. O cientista, como todo indivíduo
em ação, também age guiado por seus motivos, sua cultura, sua tradição, sendo impossível
descartar-se, como propunha Durkheim, de suas prenoções. Existe sempre certa parcialidade na análise
sociológica, intrínseca à pesquisa, como a toda forma de conhecimento. As
preocupações do cientista orientam a seleção e a relação entre os elementos da
realidade a ser analisada.
Os
fatos sociais não são coisas, mas acontecimentos que o cientista percebe e
cujas causas procura desvendar. A neutralidade durkheimiana se torna impossível
nessa visão. Entretanto, uma vez iniciado o estudo, este deve se conduzir pela
busca da maior objetividade na análise dos acontecimentos. A realização da
tarefa científica não deveria ser dificultada pela defesa das crenças e das
idéias pessoais do cientista.
Portanto,
para a sociologia weberiana, os acontecimentos que integram o social têm origem
nos indivíduos. O cientista parte de uma preocupação com significado subjetivo,
tanto para ele como para os demais indivíduos que compõem a sociedade. Sua meta
é compreender, buscar os nexos causais que dêem o sentido da ação social.
Qualquer
que seja a perspectiva adotada pelo cientista, ela sempre resultará numa
explicação parcial da realidade. Um mesmo acontecimento pode ter causas
econômicas, políticas e religiosas. Nenhuma dessas causas é superior a outra em
significância. Todas elas compõem um conjunto de aspectos da realidade que se
manifesta, necessariamente, nos atos individuais. O que garante a
cientificidade de uma explicação é o método de reflexão, não a objetividade
pura dos fatos.
Weber
relembra que, embora os acontecimentos sociais possam ser quantificáveis, a análise
do social envolve sempre uma questão de qualidade, interpretação, subjetividade
e compreensão.
Assim,
para entender como a ética protestante interferia no desenvolvimento do
capitalismo, Weber analisou os livros sagrados e interpretou os dogmas de fé do
protestantismo. A compreensão da relação entre valor e ação permitiu-lhe
entender a relação entre religião e economia. Qualquer que seja a perspectiva adotada
por um cientista, ela será sempre parcial.
o tipo ideal
Weber
dizia que o cientista, como todo indivíduo em ação, age guiado por seus
motivos, sua cultura, sua tradição. Para atingir a explicação dos fatos
sociais, Weber propôs um instrumento de análise que chamou de tipo ideal. Assim,
por exemplo, em As causas sociais do declínio da cultura antiga, ele
define o patrício romano no auge do império:
"o
tipo do grande proprietário de terra romano não é o do agricultor que dirige pessoalmente
a empresa, mas é o homem que vive na cidade, pratica a política e quer,
antes de tudo, perceber rendas em dinheiro. A gestão de suas terras está nas
mãos dos servos inspetores (vil/ic/)"- Trata-se de uma construção
teórica abstrata a partir dos casos particulares analisados. O cientista, pelo
estudo sistemático das diversas manifestações particulares, constrói um modelo
acentuando aquilo que lhe pareça característico ou fundante. Nenhum dos
exemplos representará de forma perfeita e acabada o tipo ideal, mas manterá com
ele uma grande semelhança e afinidade, permitindo comparações e a percepção de
semelhanças e diferenças.
Constitui-se
em um trabalho teórico indutivo que tem por objetivo sintetizar aquilo que é
essencial na diversidade das manifestações da vida social, permitindo a
identificação de exemplares em diferentes tempos e lugares.
O
tipo ideal de Max Weber corresponde ao que Florestan Fernandes definiu
como conceitos sociológicos construídos interpretativamente como
instrumentos de ordenação da realidade. O conceito, ou tipo ideal, é
previamente construído e testado, depois aplicado a diferentes situações em que
dado fenômeno possa ter ocorrido. À medida que o fenômeno se aproxima ou se
afasta de sua manifestação típica, o sociólogo pode identificar e selecionar
aspectos que tenham interesse à explicação como, por exemplo, os fenômenos
típicos "capitalismo" e "feudalismo" .
O
tipo ideal não é um modelo perfeito a ser buscado pelas formações sociais
históricas nem mesmo qualquer realidade observável. É um instrumento de análise
científica, numa construção do pensamento que permite conceituar fenômenos e
formações sociais e identificar na realidade observada suas manifestações.
Permite ainda comparar tais manifestações.
É
preciso deixar claro que o tipo ideal nada tem a ver com as espécies sociais de
Durkheim, que pretendiam ser exemplos de sociedades observadas em diferentes
graus de complexidade num continuum evolutivo.
A
ética protestante e o espírito do capitalismo
Um
dos trabalhos mais conhecidos e importantes de Weber é A ética protestante e
o espírito do capitalismo, no qual ele relaciona o papel do protestantismo
na formação do comportamento típico do capitalismo ocidental moderno.
Weber
parte de dados estatísticos que lhe mostraram a proeminência de adeptos da
Reforma Protestante entre os grandes homens de negócios, empresários
bem-sucedidos e mão-de-obra qualificada. A partir daí, procura estabelecer
conexões entre a doutrina e a pregação protestante, seus efeitos no
comportamento dos indivíduos e sobre o desenvolvimento capitalista.
Weber
descobre que os valores do protestantismo - como a disciplina aecética, a
poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a propensão ao trabalho - atuavam
de maneira decisiva sobre os indivíduos. No seio das famílias protestantes, os
filhos eram criados para o ensino especializado e para o trabalho fabril,
optando sempre por atividades mais adequadas à obtenção do lucro, preferindo o
cálculo e os estudos técnicos ao estudo humanístico. Weber mostra a formação de
uma nova mentalidade, um ethos - valores éticos - propício ao
capitalismo, em flagrante oposição ao "alheamento" e à atitude contemplativa
do catolicismo, voltados para a oração, sacrifício e renúncia da vida prática.
Um
dos aspectos importantes desse trabalho, no seu sentido teórico, está em expor as
relações entre religião e sociedade e desvendar particularidades do
capitalismo. Além disso, nessa obra, podemos ver de que maneira Weber aplica
seus conceitos e posturas metodológicas.
Alguns
dos principais aspectos da análise.
1.
A relação entre a religião e a sociedade não se dá por meios institucionais, mas
por intermédio de valores introjetados nos indivíduos e transformados em motivos
da ação social. A motivação do protestante, segundo Weber, é o trabalho,
enquanto dever e vocação, como um fim absoluto em si mesmo, e não o
ganho material obtido por meio dele.
2.
O motivo que mobiliza internamente os indivíduos é consciente. Entretanto, os
feitos dos atos individuais ultrapassam a meta inicialmente visada. Buscando
sair-se bem na profissão, mostrando sua própria virtude e vocação e renunciando
aos prazeres materiais, o protestante puritano se adequa facilmente ao mercado
de trabalho, acumula capital e o reinveste produtivamente.
3.
Ao cientista cabe, segundo Weber, estabelecer conexões entre a motivação dos
indivíduos e os efeitos de sua ação no meio social. Procedendo assim, Weber
analisa os valores do catolicismo e do protestantismo, mostrando que os últimos
revelam a tendência ao racionalismo econômico que predominará no capitalismo.
4.
Para constituir o tipo ideal de capitalismo ocidental moderno, Weber estuda as
diversas características das atividades econômicas em diversas épocas e
lugares, antes e após o surgimento das atividades mercantis e da indústria. E,
conforme seus preceitos, constrói um tipo gradualmente estruturado a partir de
suas manifestações particulares tomadas à realidade histórica.
Assim,
diz ser o capitalismo, na sua forma típica, uma organização econômica racional
assentada no trabalho livre e orientada para um mercado real, não para a mera
especulação ou rapinagem. O capitalismo promove a separação entre empresa e
residência, a utilização técnica de conhecimentos científicos e o surgimento do
direito e da administração racionalizados.
Análise histórica e método
compreensivo
Weber
teve uma contribuição importantíssima para o desenvolvimento da sociologia. Em
meio a uma tradição filosófica peculiar, a alemã, e vivendo os problemas de seu
país, diversos dos da França e da Inglaterra na mesma época, pôde trazer uma nova
visão, não influenciada pelos ideais políticos nem pelo racionalismo
positivista de origem anglo-francesa, Sua contribuição para a sociologia
tornou-o referência obrigatória. Mostrou, em seus estudos, a fecundidade da
análise histórica e da compreensão qualitativa dos processos históricos e
sociais.
Embora
polêmicos, seus trabalhos abriram as portas para as particularidades históricas
das sociedades e para a descoberta do papel da subjetividade na ação e na
pesquisa social. Weber desenvolveu suas análises de forma mais independente das
ciências exatas e naturais. Foi capaz de compreender a especificidade das
ciências humanas como aquelas que estudam o homem como um ser diferente dos
demais e, portanto, sujeito a leis de ação e comportamento próprios. Outros
sociólogos alemães puseram em prática o método compreensivo de Weber, como
Sombart, também um estudioso do capitalismo ocidental.
Weber
desenvolveu também trabalhos na área de história econômica buscando as leis de
desenvolvimento das sociedades. Estudou ainda, com base em fontes históricas,
as relações entre o meio urbano e o agrário e o acúmulo de capital auferido
pelas cidades por meio dessas relações.
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