sábado, 7 de setembro de 2013

MÓDULO 7 - O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE AFRODESCENDENTE NA INFÂNCIA E NA JUVENTUDE

MÓDULO 7 - O processo de construção da identidade afrodescendente na infância e na juventude.
 
Após esta incursão por um emaranhado conceitual de complexidade sem dúvida reveladora, podemos perceber que não deveria haver no Brasil qualquer visão dicotômica das relações étnico-raciais. A teoria do circulo vicioso, ou da centopeia de duas cabeças, de Helio Santos, certamente nos elucidou em que medida esses processos obedecem a um dinamismo complexo, que intencionalmente produz e reproduz o racismo na cultura brasileira.
Portanto, não é possível compreender essa questão por meio de um raciocínio bipolarizado, afinal, não somos uma sociedade de brancos (puros) e de negros (puros). A melhor opção para elucidar essa “trilha do círculo vicioso” do racismo no Brasil seria pensarmos numa série de aspectos que se entrecruzam e se autodeterminam, dando o tom da especificidade do nosso racismo e, ao mesmo tempo, colaborando para sua perpetuação. Mais uma vez é Helio Santos quem nos ajuda a elucidar esta concepção (Santos, 2001, p.30):
O mais grave, contudo, é saber que, no Brasil, o apartheid se mantém, precisamente, por ser na realidade do tipo que é. Isto é, aqui, o abismo que separa os privilegiados dos demais vem se perpetuando ao longo do tempo em virtude das mazelas sociais recaírem sempre sobre a mesma maioria. A insensibilidade para a gravidade do problema decorre muito desse particular aspecto. A causa verdadeira dessa política – quase todos negam – é o racismo. (...) É por isso que se diz que aqui temos uma pobreza cristalizada. Isto é: dura, antiga, difícil de quebrar, pois foi construída ao longo de muitos séculos.
É nesse sentido que deixamos de pensar a cultura como estática e dotada de uma “essência”, acabada e final, para assumirmos a perspectiva do movimento incessante de diálogo e inter-relação entre os sujeitos, bem como da importância do respeito às diferenças, necessários à construção identitária e às trocas simbólicas realizadas.
Também já afirmamos que não se trata de uma concepção dualista da construção identitária, como se houvesse de um lado, os brancos, de outro, os negros. A construção da identidade brasileira precisa passar necessariamente pela realidade da miscigenação e da constituição de nossa cultura a partir de nossas raízes negras, indígenas e europeias, ao mesmo tempo, e em igual relevância, é importante que se diga.
Então, após essa breve revisão, podemos adentrar na questão específica da construção da identidade negra (Universidade Federal de São Carlos, 2004b, p 45):
Munanga (2003) considera que a identidade negra não surge da tomada de consciência de uma diferença na cor da pele. Ela resulta, conforme o autor, de um longo processo histórico que se inicia com a chegada dos navegantes portugueses ao continente africano. Dito de outra forma, o processo de colonização e escravização do continente africano e de seus povos é o contexto histórico no qual devemos pensar a construção da chamada identidade negra no Brasil. (...)
A identidade negra é entendida, aqui, como um processo construído historicamente em uma sociedade que padece de um racismo ambíguo e do mito da democracia racial. Como qualquer processo identitário, ela se constrói no contato com o outro, na negociação, na troca, no conflito e no diálogo.(...) ser negro no Brasil é tornar-se negro.
Para que você possa entender o que significa “tornar-se negro” segundo essa perspectiva, é preciso considerar que identidade de qualquer pessoa se constrói no plano simbólico, isto é, no conjunto de significações, valores, crenças e gostos que a pessoa vai assumindo em sua relação com os outros, relações estas permeadas por estereótipos raciais, preconceitos e desigualdades, conforme temos trabalhado até este ponto de nossa disciplina.
Daí a enorme dificuldade enfrentada por crianças e adolescentes, brancos e negros brasileiros, para construírem sua identidade numa sociedade tão paradoxal, em que as leis lhes garantem igualdade de direitos e oportunidades, mas cujas relações sociais revelam uma estrutura claramente hierarquizada e encharcada com um racismo às escondidas, negado e escamoteado, como já afirmamos algumas vezes. Como educadores ou profissionais da saúde, por exemplo, cabe-nos o papel de mudar esse contexto, propiciando um ambiente escolar ou institucional de respeito às diferenças e desenvolvendo uma prática condizente com os valores de justiça e equidade étnico-racial. Esse será o assunto do último tópico.
 
Leitura obrigatória:
MIRANDA, Débora Brasil. Princesas de contos de fadas e crianças negas: racismo, estética e subjetividade. Monografia (Graduação), Curso de Psicologia, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. 37p. (Texto 7A). Disponível em: <http://www.infanciasemracismo.org.br/wp-content/uploads/2010/12/Monografia-Brasil.pdf>
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS – NEAB / UFSCar. Projeto São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade. Módulo 2. 2004b. (Texto 7B: A escola e a construção da Identidade na Diversidade, p. 25-40). Disponível em:  <http://www.ufscar.br/~neab/pdf/modulo2.pdf>
 
 
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
  • Filme: Segredos e mentiras. Dir.: Mike Leig. Grã-Bretanha, 1996.
  • Filme: Filhas do Vento. Dir.: Joel Zito Araújo. Brasil, 2005.
  • Música: Canção pra Ninar um Neguim, Zeca Baleiro (em homenagem ao Michael Jackson).
  • Música: Retirantes, Dorival Caymmi.
  • Música: Assum Preto, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
 
 
Exercício comentado:
Ao estudarmos os processos de construção de estereótipos raciais,  entendemos que se faz necessário, por parte da população afrodescendente, um movimento de “tornar-se negro”. Assinale a alternativa que melhor define o significado desta expressão, segundo os pressupostos teóricos de Kabengele Munanga (2003).
A) A expressão compreende a ideia de que todas as pessoas nascem brancas e vão “tornando-se negros” ao longo de sua vida.
B) Está pressuposto nesse movimento de “tornar-se negro” uma aceitação dos estereótipos raciais por parte da população afrodescendente.
C) Munanga está preocupado em preparar os afrodescendentes para viverem numa realidade social que os coloca numa condição social inferior aos brancos.
D) Está ideia foi criada no contexto do processo nacional de branqueamento ocorrido no Brasil, responsável pela construção do ideal do branco como superior, numa lógica que pressupõe que quanto mais branco, melhor; quanto mais claro, superior.
E) Segundo essa perspectiva, as identidades se constroem no plano simbólico, isto é, no conjunto de significações, valores, crenças e gostos que o indivíduo vai assumindo na sua relação com o outro, relações estas permeadas por estereótipos raciais, preconceitos e desigualdades.
 
Comentário: Alternativa correta (E):
Entende-se que para a superação dos estereótipos raciais, a construção da identidade negra faz-se necessária, no sentido dessa população afrodescendente compreender e assumir suas diferenças e especificidades culturais, desmontando os ideais do branco, do negro e do mulato, que durante tanto tempo foram sustentados pelo processo de branqueamento e reproduzidos nas relações sociais cotidianas em nosso país.

Nenhum comentário:

Postar um comentário