sábado, 7 de setembro de 2013

MÓDULO 8 - ESCOLA E A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL: DESAFIOS, ESTRATÉGIAS

Módulo 8 - Escola e a promoção da igualdade racial: desafios, estratégias e possibilidades
8.1 Diversidade, livro didático e currículo: desafios para a prática educativa
Desenvolver um trabalho pedagógico ou profissional que leve em conta a diversidade étnico-racial e cultural é uma das tarefas mais difíceis a serem enfrentadas pela escola e pelas instituições brasileiras. Todos os envolvidos no processo educacional precisam estar atentos para a desconstrução de estereótipos de raça/cor, para a desmistificação dos mitos raciais existentes na sociedade brasileira e para a demonstração prática, em suas atitudes com os alunos, de relações não discriminatórias e equitativas em sala de aula. Além disso, atentemos para o fato de que em muitos momentos os próprios funcionários, professores e coordenadores, afrodescendentes, não se percebem enquanto negros, mas veem a si mesmos como brancos.
Nesse sentido, um importante instrumento utilizado por professores e alunos para o aprendizado é o livro didático. Em muitas comunidades, ele é a única fonte de leitura dos alunos e de sua família, dada a escassez de livros e revistas em algumas classes sociais e regiões do país. Em certos casos, torna-se também a única referência para o professor no preparo de sua aula e das atividades didáticas que irá realizar com seus alunos.
Inúmeras pesquisas têm sido produzidas pelas universidades no sentido de verificar de que forma os livros didáticos abordam a questão das diversidades, sejam as diferenças de gênero, étnico-raciais, socioculturais, religiosas, de papéis sociais, profissões etc. Os resultados demonstram que a maioria dos livros didáticos trazem uma representação muito simplificada dos fatos históricos, acabando por estigmatizar ou caricaturar segmentos sociais como mulheres, negros, idosos e trabalhadores, por exemplo. Essa simplificação colabora também no reforço de estereótipos, assunto que já abordamos fartamente nos tópicos anteriores.
Além da questão da simplificação, outro grande problema dos livros didáticos é a invisibilidade desses segmentos sociais desfavorecidos, que aparecem representados no conjunto dos conteúdos didáticos numa relação desproporcional àquela existente na sociedade brasileira.
Vejamos o que Silva (2005, p. 22) afirma:
A invisibilidade e o recalque dos valores históricos e culturais de um povo, bem como a inferiorização dos seus atributos adscritivos, através de estereótipos, conduz esse povo, na maioria das vezes, a desenvolver comportamentos de autorrejeição, resultando em rejeição e negação dos seus valores culturais e em preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações.
Devido a essas e outras conclusões de inúmeras pesquisas realizadas é que as professoras e professores não podem se manter passivos na utilização dos livros didáticos; ao contrário, podem trabalhar ativamente na desconstrução de estereótipos, na representatividade de todos os segmentos sociais e na valorização das diversidades étnico-raciais.
Outra importante discussão a ser feita para uma educação para a igualdade racial é a relação entre o currículo e a diversidade. Como educadores, precisamos estar sempre alertas para o fato de que os currículos são fruto de escolhas políticas, debates calorosos e que compete a nós incluir ou excluir assuntos, disciplinas ou aspectos que servem ou não ao propósito de formação da criança e do jovem.
O poder público brasileiro já reconheceu, a partir das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que há a necessidade urgente de incluir de uma vez por todas em nossos currículos a problemática das relações étnico-raciais, por meio do estudo da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena em todos os níveis escolares, chegando também à formação universitária dos professores.
Para terminar este subtópico, gostaríamos apenas de enfatizar: é imperativo que cada um dos envolvidos no processo educacional brasileiro – a começar pelos professores, é claro, mas também os coordenadores, diretores, gestores e administradores do poder público e do setor privado – tomem uma decisão política pela igualdade nas relações étnico-raciais. A partir da instituição da Lei 10.639/2003, todos esses agentes estão convocados a instituir mudanças estruturais no ensino, abarcando a reformulação dos currículos, dos projetos pedagógicos, dos planos de aula, de materiais didáticos e paradidáticos, enfim, de toda a prática educativa de modo geral, a fim de promover o reconhecimento, o respeito e a garantia das diversidades culturais, e de forma especial, da população afrodescendente no Brasil.
8.2 Escola e a promoção da igualdade racial: estratégias e possibilidades
Neste último subtópico do módulo 8, pretendemos indicar algumas estratégias, especialmente ao professor, que demonstrem de maneira bastante prática como podemos de fato realizar uma educação cidadã, livre de racismos, dos estereótipos e de qualquer forma de discriminação.
Além das mudanças no sistema de ensino, através de revisões curriculares, nos planejamentos, aulas e materiais pedagógicos de toda sorte, cabe também a todos os agentes do processo de aprendizagem se colocarem mais próximos da realidade sociocultural de seus alunos. Isso significa conhecer a comunidade escolar, seu perfil socioeconômico, o entorno da escola, os principais problemas do bairro, da cidade, bem como as principais manifestações culturais da comunidade, arte, música, religiosidade e outros aspectos que aproximem os educadores dos alunos e de seus familiares.
São inúmeras também as pesquisas realizadas a esse respeito, mostrando que, quando a escola se coloca ao lado da comunidade, os projetos pedagógicos acontecem de maneira mais tranquila, efetiva e os objetivos traçados são atingidos com maior sucesso. Um bom exemplo é o artigo de Silva (2003, p.27-28), no qual a autora sugere aos professores algumas estratégias bastante úteis para uma mudança de paradigma, a partir da compreensão e aplicação do que sabemos sobre africanidades brasileiras. Segundo Silva, os professores devem:
• buscar conhecer as concepções prévias de seus alunos a respeito do estudado, ouvindo-os falar sobre elas;
• ajudar os alunos a compreender que ninguém constrói sozinho as concepções a respeito de fatos, fenômenos, pessoas; que as concepções resultam do que ouvimos outras pessoas dizerem, resultam também de nossas observações e estudos;
• lançar desafios para que os alunos ampliem e/ou reformulem suas concepções prévias, incentivando-os a pesquisar, debater, trocar idéias, argumentando com idéias e dados;
• incentivar a observação da vida cotidiana, observações no contexto da sala de aula, a elaboração de conclusões, a comparação entre concepções construídas tanto a partir do senso comum como a partir do estudo sistemático.
Em se tratando de Africanidades Brasileiras, é preciso acrescentar que [os professores]:
• (...) devem combater os próprios preconceitos, os gestos de discriminação tão fortemente enraizados na personalidade dos brasileiros, desejando sinceramente superar sua ignorância relativamente à história e à cultura dos brasileiros descendentes de africanos;
devem organizar seus planos de trabalho, as atividades para seus alunos, (...) que os levem a por “a mão na massa”, sempre informados e apoiados pelos mais experientes. Dizendo de outra maneira, aprender realmente o que se vive e muito pouco sobre o que se ouve falar.
Para concluir, a autora resume em três pontos os princípios da pedagogia antirracista, a saber: respeito, reconstrução do discurso pedagógico e estudo da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira. Também contribui com as disciplinas específicas, como música e dança, matemática, psicologia, sociologia, educação física, história, literatura e língua portuguesa, sugerindo práticas que cada um desses professores especialistas podem adotar para abordar o tema “africanidades brasileiras” em sala de aula (Ibidem, p. 28-29).
É nesse sentido que procuramos conduzir os estudos desta disciplina, através principalmente dos seguintes reposicionamentos: mudança de discursos e de práticas; respeito à pluralidade; novas relações interpessoais, mais afetuosas, profundas e significativas; uma subjetividade livre de clausuras e modelos preestabelecidos; crítica ao atual modelo hegemônico de homogeneização e “assujeitamento”; recriação de novos sentimentos e reconhecimentos, especialmente em relação a si mesmo, num movimento de respeito a toda forma de diversidade.
 
Leitura obrigatória:
SANTOS, Helio; QUEIROZ, Renata. A representação da diversidade étnico-racial e de gênero no livro didático do ensino fundamental brasileiro. Pesquisa em Debate. Edição 11, v.6, n.2, jul/dez 2009. (Texto 8A). Disponível em:
<http://smarcos.br/paulinia/pesquisaemdebate/edicao11/artigo_8.pdf>
SILVÉRIO, Valter Roberto; ABRAMOWICZ, Anete; BARBOSA, Lúcia Maria Assunção (Coords). Projeto São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade. Módulo II - Ensino Médio. 2004a. Universidade Federal de São Carlos – NEAB / UFSCar  (Texto 8B: SILVA, Petrolina Beatriz Gonçalves. Aprender a conduzir a própria vida: dimensões do educar-se entre afrodescendentes e africanos, p. 85-96). Disponível em:
<http://www.ufscar.br/~neab/pdf/enmedio_verde_compl.pdf>
 
Leitura para aprofundamento:
MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo na escola. 2. ed. rev. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. (Texto: GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias de atuação, p. 143-154). Disponível em: <http://dominiopublico.qprocura.com.br/dp/86779/superando-o-racismo-na-escola.html>
MUNANGA, Kabengele (org.). Superando o Racismo na escola. 2. ed. rev. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. (Texto: SILVA, Ana Célia da. A Desconstrução da discriminação no livro didático. p. 21-37).
SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Africanidades brasileiras: esclarecendo significados e definindo procedimentos pedagógicos. Revista do Professor. Porto Alegre, jan./mar. 2003, v. 19, n. 73, p. 26-30. Disponível em: <http://www.educacao.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-virtual/espaco-praxis-pedagogicas/BANCO%20DE%20SUGEST%C3%95ES%20DE%20ATIVIDADES/africanidades%20brasileiras.pdf>
  
Filmes e músicas sugeridos para atividades complementares:
  • Filme: Escritores da Liberdade. Dir.: Richard LaGravenese. Alemanha / EUA, 2007.
  • Filme: Encontrando Forrester. Dir.: Gus Van Sant. EUA, 2000.
  • Música: Cruzeiro do Sul, Jean Garfunkel e Paulo Garfunkel
  • Música: É, Gonzaguinha.
 
Exercício comentado:
(Adap. Concurso Público - CETRO - 2008 - SEE-SP) Ao tratarmos sobre a presença de racismo, preconceito e discriminação, nas escolas brasileiras, é correto afirmar que:
A) as formas de discriminação de qualquer natureza têm o seu nascedouro na escola: o racismo, as desigualdades correntes na sociedade nascem ali.
B) uma educação antirracista realiza-se com um discurso que respeite as diferenças raciais.
C) toda e qualquer reclamação de ocorrência de discriminação e preconceito no espaço escolar devem ser evitadas, pois os protagonistas dessas situações não são culpados por tais acontecimentos.
D) o racismo cultural é considerado mais grave do que as formas de racismo individual.
E) a percepção do comportamento discriminatório e do preconceito racial é central numa análise histórica e sociológica que tente compreender as relações sociais vivenciadas na escola.
 
Comentário: Alternativa correta (E):
As formas de discriminação não nascem na escola, mas se refletem nela, podendo nascer em quaisquer das esferas sociais. Uma educação antirracista deve prever não somente um discurso para a igualdade, mas o desenvolvimento de estratégias práticas que proporcionem relações equitativas no ambiente escolar. Qualquer prática discriminatória ou preconceituosa precisa ser combatida na prática escolar, seja através de discussões a respeito, seja por meio das mais diversas estratégias pedagógicas. Tanto o racismo cultural, quanto o individual são igualmente graves, e estão previstos em lei como crime. Portanto, temos que o professor e os demais agentes escolares devem estar continuamente atentos à presença de atitudes preconceituosas e discriminatórias na escola, através de uma análise histórica e sociológica dessas questões.
 
FONTE: Todo o conteúdo fui tirado da Disciplina On-line da UNIP, Curso LETRAS.

Nenhum comentário:

Postar um comentário