Morfologia
Margarida Maria Taddoni Petter
Para bom entendedor meia palavra basta.
Palavra de rei não volta atrás.
Pesar as palavras, medir as palavras, pedir a
palavra, empenhar a palavra, cortar a palavra, em quatro palavras, palavra de
honra, santas palavras, última palavra...
São alguns provérbios e expressões que
demonstram que, para o falante, a palavra é identificada como uma unidade
formal da linguagem que, sozinha ou associada a outras, pode constituir um
enunciado. Se para o leigo parece evidente reconhecer palavras, para o
lingüista não é tão simples caracterizar a entidade que representa,
aproximadamente, a primeira articulação da linguagem, aquela que se manifesta
por meio de unidades significativas.
Para começar a compreender as palavras na
perspectiva do lingüista, vamos partir da prática da gramática tradicional,
segundo a qual são atribuídos dois significados ao termo 'palavra'. O primeiro
deles poderia ser ilustrado pela resposta fácil à pergunta: quantas palavras há
na frase "José contou muitas estórias"? Nenhum locutor de português
vacilaria em afirmar que há quatro palavras. Por outro lado, se questionarmos o
número de palavras da seqüência contou, contamos, contava, contávamos,
contasse, provavelmente haveria alguma hesitação, e uma das respostas possíveis
consideraria a existência de formas diferentes de uma mesma palavra; teríamos,
então, o segundo sentido de palavra, decorrente de uma interpretação especial
do conceito. Essa segunda acepção levaria em conta: (i) a forma vocabular, ou
forma de palavra, e (i i) o lexema, a palavra como unidade abstrata, com
significado lexical, CONTAR, no caso. É essa última a forma registrada pelos
dicionários; corresponde à forma de citação padronizada, aquela que é empregada
para a referência aos lexemas. Essas primeiras observações já nos permitem
esboçar uma parte das questões investigadas pela Morfologia - freqüentemente
definida como a área da linguística que estuda "a forma das
palavras". Restaria acrescentar, para completar o domínio de investigação
da morfologia, que, a partir de CONTAR, também podemos obter uma outra série de
palavras: conto, contista, contador, conta, contagem. Embora sejam formas
associadas a CONTAR, não podemos afirmar que sejam formas diversas do mesmo
lexema, pois cada novo termo possui um significado lexical próprio e constitui,
portanto, um novo lexema. Esse conjunto de palavras fonnou-se por um processo
diverso daquele da seqüência anterionnente analisada (contou, contamos,
contava, contávamos, contasse) pois criou novos itens lexicais. Na construção
dos dois conjuntos de termos formados de CONTAR pudemos constatar a atuação de
dois processos morfológicos distintos: a flexão, no caso de contou, contamos,
etc. - produzindo "formas de palavras"- e a derivação, em conto,
contista, etc. -produzindo novos "lexemas". O primeiro deles é objeto
de estudo da Morfologia Flexional e o segundo, da Morfologia Lexical.
1. Morfologia é O estudo da forma...
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(2001) apresenta como primeiro
significado de morfologia: "estudo da
forma, da configuração, da aparência externa da matéria". O termo foi
inicialmente empregado nas ciências da natureza, botânica e geologia. Na
lingüística, começou a ser utilizado no século XIX. Nessa época, sob influência
do modelo evolucionista de Darwin, acreditava-se que o estudo da
"evolução" das 'quatrocentas ou quinhentas' raízes básicas do
indo-europeu poderia levar à solução do velho enigma da origem da linguagem
(Mattews, 1974:3).
Hoje, essa questão está praticamente fora do
âmbito da pesquisa lingüística, e "o estudo da forma das palavras"
assume outra abrangência e complexidade. O estudo comparativo das línguas
desenvolvido no século XIX pennitiu que August von Schegel (1818) fonnulasse
uma tipologia morfológica, reorganizada por August Sch1eicher (1821-1868),
segundo a qual todas as línguas se distribuiriam em três tipos:
a) isolantes: em que todas as palavras são
raízes, isto é, as palavras não podem ser segmentadas em elementos menores,
portadores de informação gramatical e/ou significado lexical. O chinês é uma
língua isolante:
WQ rnãi j úzi chi /eu/comprar/laranjas/comer/
"eu comprei laranjas para comer" (Crystal, 1987:293);
b) aglutinantes : em que as palavras combinam
raízes (elementos irredutíveis e comuns a uma série de palavras) e afixos
distintos para expressar as diferentes relações gramaticais, como o turco:
kaYIk+ lar+IffiIz / barco/ plural/nosso/ "nossos barcos", onde
distinguimos, claramente, a raiz kaYIk, os afixos: -lar (plural) e -IIDIZ
(possessivo Ia peso pl.), observando um afixo para cada informação gramatical;
c) tlexionais: em que raízes se combinam a
elementos gramaticais, que indicam a função das palavras e não podem ser
segmentados na base de 'um som e um significado', ou um afixo para cada
significado gramatical, como nas línguas aglutinantes. O latim é um exemplo de
língua flexional, pois as desinências casuais trazem muitas informações - caso,
número e gênero - como em bon-as, em que -as se combina à raiz bon- para
indicar o caso acusativo, o número plural e o gênero feminino.
Sabe-se que não há nenhuma língua que seja
exclusivamente isolante, aglutinante ou flexional; o que ocorre é uma tendência
maior a organizar as palavras conforme um ou outro tipo. Em muitas línguas
consideradas "isolantes", em que os valores gramaticais não estão
marcados segmentalmente, são as variações tonais que os
expressam, realizando a flexão no nível
supra-segmental. Embora hoje essa
tipologia seja reconhecida como tendo um
caráter meramente descritivo, pois não há nenhuma "vantagem"
lingüística em apresentar morfologia flexional ou
"desvantagem" em ter morfologia
predominantemente isolante, essa classificação, por influência de Schleicher,
foi interpretada por muito tempo como tendo o valor de uma escala hierárquica
evolutiva, que teria, na base, as línguas isolantes africanas, indígenas e
asiáticas; no topo estariam as línguas flexionais, "mais evoluídas"-
as
línguas da família indo-européia (Leroy,
1971: 34-43).
Humboldt (1836) identificou um quarto tipo de
organização morfológica nas línguas do mundo, o das línguas polissintéticas,
caracterizadas por uma morfologia complexa capaz de colocar numa única palavra
muitos morfemas que seriam palavras independentes em muitas línguas analíticas.
Muitos lingüistas questionaram se "polissintética" consistiria uma
categoria tipológica independente, uma vez que essas línguas apresentam traços
flexionais e aglutinantes. No início do século XX, Whitney, Franz Boas e Sapir
desenvolveram vários estudos descritivos sobre línguas polissintéticas
(chamadas também incorporantes), a maioria delas concentrada na América do
Norte, nas famílias Esquimó-Aleúte, Algonquina, Iroquesa, Na-Dene. As línguas
polissintéticas não se confundem com as línguas
que possuem palavras longas, decorrentes de
processos de composição, como o alemão ou sânscrito, pois naquelas as palavras
são verdadeiras frases, ou
palavras-sentenças como ilustra o exemplo
abaixo, de uma 'palavra' na língua
BellaCoola [Salishan] (Fortescue, 1992:
2602):
mntsk -lqsak - m - ts (contar - dedo -
progressivo - I a peso singular) "Eu estou contando nos meus dedos
"Foi o conhecimento maior de línguas fora do domínio indo-europeu que
permitiu à lingüística rever o seu conceito sobre "palavra" e os
mecanismos utilizados para sua identificação. Critérios semânticos - uma
palavra, um significado - ou fonológicos - um acento principal por palavra -
mostraram-se insuficientes, quando aplicados a várias línguas, como as
polissintéticas, por exemplo. O critério sintático é considerado por muitos
lingüistas como o mais adequado. Seriam palavras as seqüências sonoras que
poderiam constituir a resposta mínima a uma pergunta e que poderiam ser usadas
em várias posições sintáticas. Conforme esse princípio, o exemplo acima de
língua polissintética seria uma
'palavra', pois seria a resposta mínima a uma
questão do tipo: "Com o que você está contando?" Formulada em
português, a resposta mínima para essa pergunta seria "dedos", uma
palavra, da mesma forma que a 'palavra-sentença' da língua polissintética é uma
palavra; nas duas línguas a palavra obedece aos critérios sintáticos de poder
ocorrer isoladamente e em várias posições sintáticas. Adotando a definição
sintática de palavra - o elemento mínimo que pode ocorrer livremente no
enunciado ou pode sozinho constituir um enunciado - resta examinar o que
significa estudar a "forma das palavras". Num sentido mais amplo, em
que as
palavras são signos lingüísticos, poderíamos
associar a forma ao significante do signo lingüístico, sua expressão sonora, que
se relaciona com o significado, o conteúdo semântico. Para Helmslev,
significante e significado corresponderiam, respectivamente, ao plano da
expressão e ao plano do conteúdo, ambos dotados de forma e substância. Nesse
sentido o 'estudo da forma' deveria explicar a relação entre a "forma da
expressão" e a "forma do conteúdo", ou seja, os sons organizados
lingüisticamente para produzir significado. Mas qual seria, então, a unidade
mínima
de análise: os fonemas e traços, como foram
definidos pela Fonologia? A resposta é negativa, pois a Morfologia possui sua
própria unidade básica. Podemos tomar como unidade mínima de análise, o signo,
a palavra, CONTEI, por exemplo, poispode ocorrer sozinha enquanto forma livre,
como também podemos considerar como unidade de análise os signos mínimos ainda
portadores de significado, mas que não podem ocorrer sozinhos, CONT - EI. Essas
unidades mínimas com significado são denominadas morfemas.
Considerar o morfema ou a palavra como a
unidade central do estudo morfológico resulta em modos diferentes de abordar a
morfologia. Podemos dizer que a noção de morfema está relacionada com o
estruturalismo, que tinha como problema central a identificação dos morfemas nas
diferentes línguas do mundo. O privilégio dado à noção de palavra é próprio de
estudos preocupados com o "modo pelo qual a estrutura das palavras reflete
suas relações com outras palavras em construções maiores, como as sentençàs, e
com o vocabulário total da língua" (Anderson, 1992:7; 1988: 146; apud
Rosa, 2000: 16). Como nosso objetivo é introduzir o estudante de lingüística na
metodologia da análise morfológica das línguas, vamos apresentar os princípios
de descrição desenvolvidos dentro do
quadro teórico estruturalista, pela sua eficácia na segmentação e na análise dos
processos de associação dos morfemas. 2. Identificação de Morfemas
Bloomfield, ao definir morfema como "a
forma recorrente (com significado) que não pode ser analisada em formas
recorrentes (significativas) menores" (l926:27),já deixava entrever que a
comparação é a técnica básica para a identificação dos morfemas, os menores
signos ainda portadores de significado. Assim, a tarefa primeira da análise
morfológica consistirá em observar pares ou grupos de palavras que apresentam
uma oposição parcial, tanto na expressão como no conteúdo. Opera-se da mesma
maneira utilizada para reconhecer fonemas, verificando se a
substituição, ou a comutação, de elementos
diferentes, mantendose os recorrentes, provoca uma alteração parcial de
conteúdo. Observe os dados da língua Baulê (Níger-Congo, grupo kwa), falada na
Costa do Marfim (os diacríticos indicam os tons - variações de altura das
sílabas das palavras, que permitem distinguir significado:
['] tom baixo; [ ']tom alto): nbá "eu
chego" àbá "você chega" obá "ele/ela chega" ebá
"nós chegamos" ámubá "vocês chegam" bebá "eles/elas
chegam"
A comparação dos dados da língua africana
mostra que o elemento mínimo
recorrente é {- bá} e que as formas {n, à, o
, e, ámu, be} se opõem na forma e no significado, como se constata pela
tradução em português. Identificamos, então, sete morfemas, o que equivale
dizer que podemos segmentar as formas verbais como segue:
n-bá
à-bá
o-bá
ámu-bá
be-bá
e-bá
O morfema recorrente é portador do
significado de "chegar" e os seis morfemas diversos transmitem a
significação de pessoa e número. O morfema recorrente é portador do significado
lexical, e os demais trazem a informação gramatical. Para grande parte dos
lingüistas franceses, a denominação 'morfema' restringe-se ao elemento de
significado gramatical, utilizando 'lexema' para o significado lexical e
'monema' para ambos. Utilizaremos o termo "morfema" para os signos
mínimos que indicam tanto o significado lexical quanto o gramatical.
2. 1 . Alomorfes
A diversidade morfológica das línguas é muito
grande, maior do que a diversidade sintática. Não se pode generalizar uma
informação obtida pela análise do português ou de qualquer outra língua
indo-européia. No entanto, a descrição já estabelecida de muitas línguas revela
funcionamento semelhante. A afirmação de que cada morfema tem uma forma única
para expressar um mesmo significado é contestada por todas as línguas em diferentes
graus e situações. Observe-se o quadro abaixo do português (Borba, 1987:148):
(i) feliz, crível, grato, real, mortal,
legal, adequado, hábil, natural.
(ii) infeliz, incrível, ingrato, irreal,
imortal, ilegal, inadequado, inábil, inatural.
Comparando-se as duas séries nota-se que em
(ii) o segmento inicial tem sempre um valor negativo, mesmo que sob forma
fonética diversa [i], [ i ] , [ in]. A diferença fonética é, no entanto,
previsível: teremos [ in] antes de vogal; [ i ] antes de [1, r, fi, n] e [i]
antes de qualquer outra consoante. Essas formas são variantes de um mesmo
morfema, o que permite compreender que o morfema é, na verdade, resultado de
uma abstração ou generalização: ele pode apresentar várias configurações
fonéticas, cada uma delas é um morfe do mesmo morfema. O conjunto de morfes que
representam o mesmo morfema são seus alomorfes. Nenhum alomorfe pode ocorrer no
mesmo contexto que outro, o que significa dizer que os alomorfes de wn morfema
devem estar em distribuição complementar. Se a escolha entre dois ou mais
alomorfes depender do contexto sonoro em que ele se encontra, diz-se que houve
um condicionamento fonológico (ou fonético). A alomorfia fonologicamente
condicionada reflete, geralmente, as restrições de combinatória de fonemas que
ocorrem em cada língua. Assim, em português nenhuma sílaba pode terminar em /
rs/, então * /bars/ não é uma seqüência permitida; já em inglês ou francês essa
seqüência é possível.
Quando não for possível explicar a alomorfia
pelo contexto fonético, como o caso do alomorfe do plural de palavras em inglês
como OX, ox-en, em que a escolha depende de signos lingüísticos particulares,
diz-se que houve um condicionamento morfológico, isto é, uma forma exige a
outra simplesmente. Tal é o caso do particípio passado dos verbos em italiano,
cujos alomorfes -ato, -uto, -ito, dependem dos alomorfes do morfema dos três
grupos do infinitivo: -are, -ere, -ire. Assim, comprare "comprar",
credere "crer", dormire "dormir" têm como formas de
particípio passado: comprato, creduto, dormito. As classes do infinitivo,
portanto, são relevantes para a escolha entre os alomorfes do morfema do
particípio passado. O condicionamento fonológico é interpretado por muitos lingüistas
como sendo um assunto para a fonologia e não para a morfologia. Como é
flagrante a relação entre o nível fonológico e o morfológico, alguns autores
(principalmente os do-Círculo Lingüístico de Praga) propuseram a existência de
um nível inter-mediário, objeto de estudo da morfo(fo )nologia, ou
morfofonêmica, que trataria da estrutura fonológica dos morfemas, de suas
modificações combinatórias, das mudanças fônicas que adquirem função
morfológica. Para os propósitos deste trabalho, interessa principalmente observar
a interação entre a fonologia e a morfologia, manifestada nos processos
fonológicos que atuam na distribuição dos alomorfes. Sendo assim, vamos
analisar a assimilação, processo muito freqüente nas mais diversas línguas:
Em temne (Níger-Congo, grupo atlântico,
falada em Serra Leoa), o morfema do
artigo definido plural de uma classe de nomes
apresenta alguns alomorfes:
J-baj "o chefe" :J- t ik "o
estrangeiro" :J-kabi "o ferreiro" am-baj an-tik aIJ-kabi
"os chefes"
"os estrangeiros" "os
ferreiros" o morfema do definido plural pode ser descrito por {a+Nasal},
em que a éonsoante nasal será especificada pela consoante que a seguir, ou
seja, a nasal assimila-se ao ponto de articulação da consoante do morfema
seguinte: será a nasal bilabial, antes de consoantes bilabiais; alveolar, antes
de consoantes alveolares; velar, antes de
consoantes velares. A descrição morfológica
deverá indicar o processo fonológico que
determinou a escolha do alomorfe, que poderá ser expressa por meio de uma
regra: [am- ] I - bilabial (labial) [an- ] 1- alveolar (coronal) [ aIJ-] I -
velar (dorsal) {a + N} ~ Um tipo de assimilação bastante comum é a
palatalização, em que as consoantes velares ou dentais assimilam-se às vogais
anteriores altas, que têm articulação semelhante às consoantes palatais. Esse
fato ocorre no italiano, em I ami t S i / "amigos", plural de lamiko/
"amigo", em que a velar seguida de lil assumiu o ponto de articulação
da vogal anterior alta.
3. Processos Morfológicos
A associação de dois elementos mórficos
produzindo um novo signo lingüística
obedece a certos princípios ou mecanismos que
variam em sua possibilidade de combinação nas diferentes línguas. Esses modos
de combinação são processos morfológicos que se manifestam sob a forma de :
a) ADIÇÃO: quando um ou mais morfemas é
acrescentado à base, que pode ser uma raiz ou radical primário, isto é, o
elemento mínimo de significado lexical. Em aprofundar, temos os seguintes
morfemas aprofund-ar, onde a- e - ar, são morfemas aditivos, que se acrescentaram
à raiz profund-. Aprofund- é a base de
aprofundar. São chamados afixos os
morfemas que se adicionam à raiz; afixação é
o processo. Dependendo da posição dos afixos em relação à base podemos ter
cinco tipos:
(i) Sufixação: depois da base. Ex: livro>
livro-s; casa>cas-eiro; (ii) Prefixação: antes da base. Ex: ler>re-Ier;
certo>in-certo ;
(iii) Infixação: dentro da base. Ex: em Kmu
(Laos):
/rkeIJ/ "esticado" > /rrnkeIJ/
"esticar" (infixo I-m-/);
(iv) Circunfixos são afixos descontínuos que
enquadram a base, como em
Georgiano (Cáucaso) :
IU...esl "muito" - lu-lamaz-es-i/
"muito bonito" (cf. /lamaz-i/ "bonito")
lu-did-es-il " muito largo" (cf. I
did-il "largo"); I-il é um sufixo de nominativo. Embora u- pareça ser
um prefixo e -es assemelhe-se a um sufixo, nenhum dos dois tem significado
isoladamente, por isso é preferível tratar a combinação dos dois como uma
unidade.
(v) Os transfixos são descontínuos e atuam
numa base descontínua, como em
Hebraico: Isagarl "ele fechou"
lesgorl "eu fecharei" Essas formas podem ser analisadas em:
char", e os transfixos vocálicos:
I.a.a.! 3 a pessoa singular passado I.e.o.! 1
a pessoa singular futuro
b) REDUPLICAÇÃO: é um tipo especial de
afixação, que repete fonemas da base, com ou sem modificações. Nas línguas
clássicas -latim, grego e sânscrito - está associado à flexão verbal. Alguns
perfeitos latinos são marcados pela repetição da consoante inicial do radical
do verbo, seguida de -ebase consonantal Is.g.rl "fe-
PRESENTE
PERFEITO
pepigi peperci cecini, pango pargo cano
"concordo" "abstenho-me
de" "canto, celebro"
O morfema reduplicado pode aparecer antes, no
meio ou depois da raiz.
Pode, também, repetir toda a raiz ou parte
dela. No pidgin da Nova Guiné, repete-se a sílaba final da raiz: lapun
"velho", lapunpun "muito velho".
Nas línguas crioulas, os significados mais
freqüentemente obtidos pela reduplicação são de intensidade, iteração e
distribuição. Em Fa d' Ambu, crioulo de base portuguesa da ilha de Ano Bom
temos (Post: 1995: 196):
Morfologia 67 Intensidade kitsyi
"pequeno" kitsyikitsyi "muito pequeno" gavu "bom"
gagavu "muito bom" iteração nda "andar" ndanda
"perambular" fa(1a) "fala" fafal
"tagarelar" distribuição dosy
"dois" dodosy "ambos" bodo "borda" bodobodo
" costa"
c) ALTERNÂNCIA: quando alguns segmentos da
base são substituídos por outros, de forma não arbitrária, porque são alguns
traços que se alternam com outros; como em português: pus/pôs; fiz/fez;
fui/foi, ou em inglês, alguns plurais, como foot/feet;
man/men. Em alemão, também alguns plurais se
formam apenas pela alternância vocálica [f ate r ] / [ f 8 t e r] "pai!
pais", ou pela alternância e o acréscimo
de sufixos [m a n ] / [m8~er]
"homem/homens". A lingüística
histórica trata esses processos de alternância de vogais no interior da raiz
como apofonia e metafonia.
d) SUBTRAÇÃO: quando alguns segmentos da base
são eliminados para expressar um valor gramatical. Bloomfield apresentou um
exemplo clássico para explicar o masculino em francês como resultante desse
processo, em que as formas masculinas podem ser derivadas das femininas pela
queda da consoante final, como nos itens: Feminino Masculino Sat Sa
"gato" 18d 18 "feio" mOV8Z mOV8 "mau" fr8S fr8
"fresco" b:::m b5 "bom"
Descrever essa série partindo da forma masculina, levaria a identificar uma
lista muito grande de morfemas do feminino ( -t, -d, -z, - S, - n, nos exemplos
citados), o que dificultaria uma generalização. Explicando por meio do morfema
subtrativo
obtém-se uma descrição mais regular.
Diferentemente do francês, pode-se dizer que
no português alguns femininos são formados por subtração de morfemas do
masculino, como em órfão/órfã;
anão/anã; campeão/campeã, etc.
Os processos morfológicos que afetam traços
supra-segmentais, como acento e tom, podem ser aditivos ou substitutivos. Em
inglês, nos pares nome/verbo que se distinguem pela posição do acento, como se
vê em tránsfonn/transf6nn
"transformação/tran~formar" pode-se
tomar o verbo como a forma básica e derivar o nome por meio de uma mudança de
acento ou assumir que ambas as formas (nome e verbo) são uma base não
especificada quanto ao acento mais um padrão de acento nominal [~-], ou padrão
de acento verbal [ - ~ ] .
Algumas vezes, vários processos podem
aparecer combinados, como, em
português, no plural da palavra ovo, em que
há uma altemância o / o e uma
sufixação {-s}, ovos.
A situação examinada acima nos mostra que um
único traço de conteúdo (plural, no caso) pode ser expresso por uma combinação
de marcas. Inversamente, uma única marca pode simbolizar muitos traços de
conteúdo, como no francês au [o J, que funciona como a preposição à
"para" mais o artigo masculino le, em au début"no
começo", por exemplo. Em latim, temos as
desinências dos nomes, que indicam o caso (função) o gênero e o número, como
bon-i "bons", em que {-i} significa nominativo (sujeito), masculino,
plural. Em português, pode-se analisar que, na primeira pessoa do presente do
indicativo de am -o, o {-o} representa cumulativamente presente do indicativo +
1 a pessoa do singular (Pontes, 1965). Esses exemplos são tratados como casos
de cumulação, e os morfes são denominados de cumulativos ou portemanteau
("cabide", em francês).
4. Morfema zero
A noção de morfema zero {0} deve ser
postulada com bastante parcimônia.
Segundo Gleason (1961: 80), pode-se dizer que
há morfema zero somente quando não houver nenhum morfe evidente para o morfema,
isto é, quando a ausência de uma expressão numa unidade léxica se opõe à
presença de morfema em outra, como se depreende da comparação das formas
verbais (Kehdi, 1993:23):
Falávamos Falava
Nesse caso, pode-se destacar o morfema {-mos}
como expressão de primeira
pessoa do plural. Quanto à falava, forma de
primeira ou terceira pessoa do singular,
não se identifica nenhum segmento que indique essas noções. Nesse caso é
a ausência de marca que expressa a pessoa e o número; portanto é o morfema zero
{0} que traz a informação gramatical.
Seguindo Kehdi (1993:25), pode-se afirmar
também que os alomorfes de plural em português: /-s,-es,-isl, incluem um
alomorfe zero, presente, por exemplo, em pires, cujo número só é recuperável
pelo contexto: o pires novo / os pires novos. Pode-se afirmar que pires é
constituído do radical pires mais o alomorfe / 0/ de número (singular /plural).
A descrição de uma língua desconhecida a
partir da tradução exige um cuidado
adicional, pois muitas vezes a tradução pode
deixar de lado alguns traços do
significado ou acrescentar outros. Postular a
existência de um morfema zero pode ser útil, em muitas situações, como um
expediente temporário na análise, até que um estudo mais extenso possa
confirmar ou contestar a análise proposta.
Uma descrição superficial dos nomes em Diulá
(Níger-Congo, grupo mandê, Costa do Marfim, Burkina Fasso, Guiné) poderia
concluir que não há marcas para o morfema do definido, comparando as formas:
/musà/ "mulher" e /musô/ "a mulher". No entanto, uma
observação mais atenta, com maior número de dados, demonstraria que o definido
manifesta-se por meio de um tom baixo que se combina com o último tom da
palavra, gerando, um tom modulado fI'/ alto-baixo, no lexema investigado. Não
se trata, portanto, de um morfema zero, mas sim de um morfema tonal.
5. A Ordem dos Morfemas
Todas as línguas apresentam restrições quanto
à combinação de morfemas, que levam em conta a forma e a ordem linear da
distribuição dos morfemas.
Construções como ama-na-mos impedem qualquer
desrespeito à ordem linear,
tomando impossível * ama-mos-na, *mos-ama-na,
por exemplo. Alguns lingüistas, como os de orientação distribucionalista,
argumentaram que somente esses casos, em que se observam combinações no
interior dos segmentos internos da palavra, devem ser analisados pela
morfologia, cabendo à sintaxe estudar as combinações
no nível da frase e do sintagma. Essa
discussão remete a uma relação difícil de negar entre a morfologia e a sintaxe,
visto que a restrição à seqüência * livro o não é intrinsecamente diferente da
restrição à forma * ama-mos-na. No âmbito estrito da morfologia, Hockett
(1954:389) chegou a propor a descrição de um padrão tático das línguas que
incluiria a enumeração das classes de distribuição característica dos morfemas.
6. Morfologia Lexical e Morfologia Flexional
Podemos agora, depois de ter aprendido a
segmentar os morfemas e reconhecer seus processos de organização, voltar a um
tópico apenas enunciado na introdução deste capítulo, a subdivisão dos estudos
da morfologia em dois campos:
(i) um dedicado ao estudo dos mecanismos
morfológicos por meio do qual se
formam palavras novas - domínio da morfologia
lexical;
(ii) outro, voltado para a análise dos
mecanismos morfológicos que apresentam informações gramaticais - domínio da morfologia
flexional.
O mecanismo básico da morfologia lexical é a
derivação, por meio do qual se
formam séries assistemáticas e as simétricas
com muitas lacunas:
"trabalhartrabalhador, lavrar -
lavrador, carregar - carregador, mas não ensinar
*ensi-nador, estudar - *estudador, porque os
lugares já estão ocupados por professor! mestre, lente e estudante"
(Sandmann, 1991, 24). Na morfologia flexional, ( mecanismo básico é a flexão,
que forma conjuntos sistemáticos completos ou fechados, os paradigmas flexionais
das conjugações verbais, por exemplo. Na primeira temos a formação de palavras
novas, na segunda as palavras são as mesmas, com modificações que indicam
relações gramaticais.
Os morfemas derivacionais, embora mais
numerosos, têm unia distribuição mais restrita, condicionada pelo uso. Os
sufixos do português - ção, - mento, por exemplo, unem-se a verbos, para
indicar nome de ação ou resultado de ação, como: invenção, casamento; enquanto
os sufixos - ismo, ura - unem-se a adjetivos, para expressar, também, ação ou
resultado de ação: civismo, doçura. Os morfemas flexionais, numericamente
limitados, têm uma distribuição mais ampla; o sufixo
flexional de plural, o -s, se liga a qualquer
nome contável.
O acréscimo de morfemas derivacionais pode
provocar a mudança de categoria
gramatical das palavras; os flexionais
conservam seus membros na mesma classe. Em português, podemos exemplificar
alguns casos de transferência de classe: Nome + sufixo> verbo Verbo +
sufixo> nome Adjetivo + sufixo> nome
Ex: clarear, civilizar, coroar, mapear Ex:
contagem, pesagem, vencedor, punição Ex: escuridão, imensidão, realidade,
finalidade
A derivação lexical, por expressar diferenças
vocabulares, é responsável pela maior parte da criatividade ou produtividade
lexical da língua. Podemos observar sua atuação nos neologismos bastante
previsíveis criados pelos sufixos -ismo ou -ista difundidos pelos jornais:
lulismo, serrismo, cirista, brizolista.
7. Morfologia Lexical
Derivação e composição são os processos mais
gerais de formação de palavras. O processo de derivação é o mais utilizado para
formar novos itens lexicais. Embora a grande diversidade morfológica observada
nas línguas do mundo dificulte o reconhecimento da existência de
"universais morfológicos", a pesquisa, ainda incipiente na área,
revela que entre os processos de afixação (prefixação e sufixação) há uma
preferência pela sufixação. Raras são as línguas exclusivamente
prefixais; mas muitas são exclusivamente
sufixais, como o turco e o japonês.
Examinaremos, na seqüência, os processos de
derivação e composição no
português, a partir dos trabalhos de Borba
(1987) e Basílio (1987).
Na derivação acrescenta-se um afixo (sufixo
ou prefixo) a uma base, como em: Prefixo + base: des + fazer = desfazer
Base + sufixo: formal + mente = formalmente
A base de uma forma derivada é geralmente uma
forma livre, isto é, uma forma mínima que pode constituir sozinha um enunciado,
como um verbo, um adjetivo ou um advérbio. Podemos ter derivados a partir de
formas presas, isto é, formas que não podem ocorrer sozinhas, como morfológico,
em que se juntou o sufixo - ico, formador de adjetivos, à base morfolog,
composta de morio + log, que é ao mesmo tempo composta (dois radicais gregos) e
presa.
A composição consiste na associação de duas
bases para formar uma palavra nova. Teremos palavras compostas a partir de
formas livres, como guarda-livros (guarda + livros) como também a partir de
formas presas, como geologia (geo+logia).
7.1 . Derivação
Em português, raízes e radicais servem de
base para a adjunção de afixos.
Se tomarmos a palavra marinha, verificaremos
que o sufixo I-inhalfoi acrescentado à
raiz mar-; já na palavra marinheiro, o sufixo
I-eirol foi acrescentado ao radical
marinh-. A raiz é o elemento irredutível e
comum às palavras derivadas (mar-inha, mar-inheiro); o radical inclui a raiz e
os elementos afixais que servem de suporte para outros afixos, criando novas
palavras, como marinheiro, cujo radical é marinh-.Os afixos são em número limitado.
Em português, por exemplo, são pouco mais de cinqüenta prefixos e
aproximadamente cento e quarenta sufixos. Apresentam funções
sintático-semânticas definidas, que delimitam o significado e o uso possível da
nova palavra formada. Assim, os prefixos combinam o seu valor semântico ao da
raiz a que se unem, como nos exemplos:
inter+por = interpor; contra + senso =
contra-senso; vice + rei = vice-rei.
Os sufixos também apresentam uma significação
léxica, mas é mais comum terem um valor geral e abstrato, como -dade, -ez, -
ia, que formam substantivos abstratos (liberdade, viuvez, alegria); -ense,
-este, -ício, que formam adjetivos (catarinense, celeste, vitalício); -ar,
-ear, -izar, que formam verbos (penar, florear, concretizar). Há
sufixos que acumulam valores semânticos
diversos, como -ada (i) idéia de coleção (filharada), (ii) idéia de golpe
(agulhada), (iii) idéia de produto alimentar (feijoada), (iv) idéia de duração
(temporada).
Os processos derivacionais são bastante
produtivos. Tal fato pode ser explicado não só pela possibilidade elevada de
combinação de raízes e afixos, mas porque: (i) em muitos casos mudam a classe
da nova palavra formada, como a nominalização de verbos, processo altamente
produtivo que forma substantivos a partir de verbos,
como pesar> pesagem, (ii) envolvem noções
bastante comuns e de grande
generalidade, como a idéia de negação
(ilegal), grau (gatinho), designação de
indivíduos (pianista), nomes abstratos
(bondade).
7.2. Composição
o processo de composição junta uma base a
outra, com ou sem modificação de sua estrutura fônica; aglutinando-se, em
aguardente, ou justapondo-se, em pentacampeão. Os elementos do composto
apresentam uma relação entre um núcleo e um modificador (ou especificador),
entre um determinado e um
determinante. Em português, o primeiro
elemento do composto que funciona como núcleo nas estruturas formadas por:
Substantivo+substantivo Ex.: sofá-cama,
peixe-espada, mestre-sala
Substantivo+adjetivo Ex.: caixa-alta,
obra-prima, amor-perfeito Verbo+substantivo
Ex.: guarda-roupa, porta-estandarte,
beija-flor
Nas estruturas com adjetivo, esse é sempre o
especificador, independente de sua posição: belas-artes, livre-arbítrio.
A composição distingue-se da derivação por
seu próprio mecanismo de
estruturação: enquanto pela derivação se
expressam noções comuns e gerais, o processo de composição permite
categorizações mais particulares. A associação de dois elementos independentes
do léxico em apenas um elemento cria formas compostas muitas vezes
desvinculadas do significado particular de cada um de seus componentes, como em
amor-perfeito.
8. Derivação Regressiva
Diferentemente dos processos de derivação e
de composição, em que há adição de morfemas, existe, em português, um mecanismo
de criação lexical em que se observa a redução de morfemas, conhecido como
processo de derivação regressiva. Pode-se observá-Io em derivados do tipo:
busca, de buscar, implante, manejo, de manejar. Os derivados são, na maioria,
substantivos deverbais, isto é, construídos a partir de verbos.
9. Derivação Parassintética
A derivação paras sintética consiste na
adição simultânea de um prefixo e um sufixo a uma base. É um processo mais
produtivo na formação de verbos (en- + feitiço + -ar = enfeitiçar) do que na de
adjetivos (des- + alma + -ado = desalmado). A função semântica é atribuída ao
prefixo, enquanto a função sintática cabe ao sufixo, que mud~ a classe da
palavra a que pertence a base.
Reconhece-se como construção parassintética
apenas aquela em cujo processo de estruturação não se pode identificar uma
etapa de prefixação antecedendo à de sufixação, como em enraivecer, que não
pressupõe *enraiva. Já em insensatez reconhecemos diferentes níveis de
estruturação: o da prefixação, atribuindo valor negativo ao adjetivo sensato,
formando insensato, e a sufixação de -ez, formando insensatez.
10. Morfologia Flexional
A morfologia flexional trata, principalmente,
dos morfemas que indicam relações gramaticais e propiciam os mecanismos de
concordância, estando mais diretamente relacionada à sintaxe. Nas línguas do
mundo, as categorias gramaticais freqüentemente manifestadas pelos morfemas
flexionais são:
para os nomes, as categorias de gênero,
número e caso; para os verbos, as
categorias de aspecto, tempo, modo e pessoa.
Chegou-se até a formular a hipótese da existência de universais morfológicos
relativos à flexão. Greenberg (1963:112)
constatou que, freqüentemente, havendo um
morfema para cada categoria, a ordem de ocorrência junto ao nome é: gênero,
número e caso.
Bybee (1985:13-24), na tentativa de explicar
certos universais morfológicos, afirma que as categorias mais relevantes são
colocadas mais próximas aos radicais ou bases; no caso dos verbos, a ordem
varia em função do tipo de afixos, se estes forem sufixos a ordem preferencial
é aspecto -tempo - modo - pessoa - número; se forem prefixos, a ordem será
invertida.
A evidência desses universais não significa
que todas as línguas manifestarão todas essas categorias, nem que todas elas
serão representadas pelos mesmos tipos de morfema. Para compreender o
funcionamento dos morfemas flexionais vamos examinar como se apresentam os
nominais nas línguas do grupo banto (Níger- Congo, bênue-congo) com exemplos do
quimbundo, língua falada em Angola: mu-tu à-tu mu-xi mi-xi "pessoa"
"pessoas" "árvore""árvores" ki-nu i-nu di-zwi
mà-zwi "pilão" "pilões" "língua"
"línguas"
Identificamos claramente um morfema prefixal
para o singular e outro para o plural, em cada par de palavras, mas não temos
elementos para prever a forma de cada um desses morfemas. A diversidade de
formas, no entanto, não é aleatória, ela obedece a um sistema chamado
"classe nominal", que inclui todos os substantivos da língua numa
classe de singular e noutra de plural; cada classe sendo caracterizada por um
prefixo. As classes se organizam aos pares; em quimbundo há 18 classes
nominais, com 9 emparelhamentos singular/plural. Analisando os exemplos acima
temos:
a) classe 1 {mu-} tem como plural a classe 2
{a-} , refere-se aos sere:
humanos. Ex. mu-tu / à-tu;
b) classe 3 {mu-} tem como plural a classe 4
{mi-}, refere-se às plantas.
Ex. mu-xi/ mi-xi;
c) classe 5 {di-} tem como plural a classe 6
{ma-}, refere-se ao corpo coletivos. Ex: di-zwi/mà-zwi;
d) classe 7 {ki-} tem como plural a classe 8
{i-}, refere-se a objetos fabrica dos. Ex: ki-nu li-nu
Os valores semânticos associados às
diferentes classes constituem apena uma referência, nem sempre verificada na
língua. O que atribui a classe a un substantivo é o fato de pertencer a um
determinado sistema de concordância, po exemplo classe 3/classe 4, isto é, a
classe de singular com a classe respectiva di plural. Trata-se de um mecanismo
de flexão, que não cria novos itens na língua apenas atualiza as raízes para
que possam participar de um enunciado.
O sistema de classes nominais em que se
inserem os substantivos do quim bundo rege também um mecanismo de determinação,
que opera no nível do sin tagma como também no nível da frase. Assim, teremos:
(1) mu- tu ú-màxi 'uma (só )pessoa"
/cl1/pessoa! pref.pron. c11/umI /pessoa! uma! (2) ki-nu ki-màxi 'um (só) pilão
/ c17 -pilão/pref. pron.c1. 7/umI /pilão/umI Osmorfemas que precedem os
modificadores do substantivo concordan com este em classe. Observe-se, abaixo,
como as marcas de concordância com a classe do nú Cléo nominal se manifestam no
nível da frase: (3) mutu,úmàxi,wádikwàmà /mu -tu/ú- màxi/u-á-di-kwàmà//cll-
pessoa! pref.pron.cll-uml índice do suj.c1asse 1- passado - reflexivo - fem
"Uma (só) pessoa se feriu" (Bonvini, 1996:81) Podemos afirmar que o
sistema de classe nominal é um sistema de con cordância, em que todos os
especificadores do núcleo nominal devem concorda com ele em classe; no exemplo
acima, o prefixo pronominal (categoria dos nu merais em quimbundo, conforme
descrição de Bonvini) e o índice do sujeit~ (anafórico do sujeito, obrigatório
mesmo com sujeito preenchido lexicalmente apresentam-se sob a forma que assumem
ao relacionar-se com substantivos da classe 1. Se o núcleo nominal fosse
preenchido por um substantivo de outra classe, esses morfemas assumiriam outras
formas, conforme o paradigma de cada categoria. Assim como o paradigma das
classes nominais em quimbundo possui 18 morfemas, os paradigmas dos prefixos
pronominais e os paradigmas dos índices do sujeito também possuem 18 morfemas
cada um, para permitir que a flexão manifeste a solidariedade sintática dos
morfemas inter-relacionados. Considerações finais
A morfologia é uma área que tem provocado
muitas controvérsias entre os
lingüistas, que nem sempre consideraram o
nível morfológico pertinente para a construção de uma teoria da gramática. O
estruturalismo tratou a morfologia como uma questão fundamental, ao valorizar a
descrição da diversidade das línguas, evidenciada pela grande diferença
morfológica. Para o gerativismo, essa diversidade remete a um aspecto crucial:
como conciliar a proposta de uma gramática universal diante de tamanha
diversidade morfológica? Esse é o desafio que o gerativismo está enftentando
hoje, ao considerar a morfologia como um problema central a investigar
(Sandalo, 2001: 191-204).
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